O setor de transportes rodoviário é responsável por 90% da emissão de gases poluentes na atmosfera. A afirmação consta no 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). O documento deve servir como base para orientar as políticas públicas destinadas à melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades do País.
O inventário mostrou que apesar do grande aumento da frota de veículos no Brasil - estimada em cerca de 36 milhões de veículos entre automóveis, veículos comerciais leves, ônibus, caminhões e motocicletas -, o nível de emissões de gases poluentes por veículo tem caído no País. Dados do estudo revelam que o transporte de passageiros individuais emite 40 vezes mais poluentes do que o transporte público na condução do mesmo número de passageiros. A frota de motocicletas também aumentou muito no País. Em 2008 havia sete milhões de unidades em circulação e a projeção é de que até 2020 este número chegue a 20 milhões de veículos.
O coordenador da cooperação entre o MMA e o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema), Ademilson Zamboni, explica que as políticas de transporte nunca tiveram um marco regulatório que pudesse balizar as discussões sobre a participação de cada tipo de veículo, da frota, da tecnologia e do combustível utilizado na emissão de poluentes na atmosfera. “Até agora as políticas de transporte são norteadas muito mais em função de geração de emprego e renda do que pelo cuidado com o meio ambiente, pela falta de referenciais”, afirma Zamboni. Esta lacuna será suprida pelo inventário, segundo o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pois o material traz informações que poderão ser usadas no aprimoramento da tecnologia veicular e na melhoria dos combustíveis, para o estabelecimento de novos limites de emissão e mesmo para subsidiar programas de eficiência energética dos veículos. Além disso, pode servir de base para estudos, pesquisas e tecnologias orientadas para a redução de emissões dessa modalidade de transporte.
O grupo de trabalho (GT) responsável pela elaboração do Inventário Nacional foi formado por oito instituições: MMA, Ibama, Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Petrobras, Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “Estas entidades foram escolhidas porque poderiam aportar as informações necessárias para compor o estudo”, conta Zamboni.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento do inventário, segundo o coordenador de projetos em emissões veiculares do Iema, David Shiling Tsai, levou em consideração uma perspectiva nacional. Para compor os dados compilou uma série de informações. Entre elas a fase tecnológica em que se encontra a frota que roda no Brasil e a categoria em que se enquadra o veículo, para avaliar os níveis de emissão de poluentes de cada um. A quantidade de veículos em circulação por ano no País foi obtida com base em cálculos da curva de sucateamento feitos a partir do número de veículos novos. O mesmo tipo de levantamento foi aplicado para projetar o número de motocicletas, de caminhões, de implementos rodoviários e de ônibus em circulação. No inventário também consta o consumo e o tipo de combustível utilizado por categoria de veículos.
A partir das informações do inventário, destaca Tsai, foi possível constatar que houve uma queda nas medidas de concentração de CO (monóxido de carbono) em São Paulo. “Essa redução se deve aos limites de emissão de poluentes impostos desde 1986 pelo Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), do Ibama,” diz Zamboni.
O documento também mostra que dentre os diversos tipos de veículos, os carros são os que mais contribuem com as emissões de CO, com 47%, seguidos pelas motocicletas, responsáveis por 36%. “Se levarmos em conta o aumento acelerado na quantidade de motos em circulação e os níveis de emissão de poluentes, é recomendável mais investimentos no Programa de Controle da Poluição do Ar por Motocicletas (Promot), do Ibama.
Mais do que os próprios dados contidos no inventário, a execução do levantamento foi muito importante porque identifica a fragilidade das informações a respeito do setor de transportes em todo o Brasil. “Precisamos melhorar a qualidade dos dados quanto a tipos, idades e condições operacionais dos veículos, tamanho e composição, pois têm reflexo direto nos cálculos das emissões do inventário”, afirma Zamboni.
O estudo não apresenta soluções para a emissão de poluentes. É apenas o primeiro passo para criar um documento que possa servir de referência. Entretanto, segundo Zamboni, um aspecto fica evidente com base no inventário. “Precisamos ampliar o uso da multimodalidade. Os dados mostram que é necessário diversificar mais o modal dos transportes, fazendo maior uso das ferrovias e das hidrovias, além do transporte rodoviário”, salienta. Agora a meta do grupo de trabalho, prorrogado até dezembro, é elaborar os inventários e os detalhamentos das composições das emissões de poluentes das 10 maiores regiões metropolitanas do País: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém.
Plantas expostas ao ambiente em Porto Alegre mostram elevados níveis de gases poluentes
A preocupação com relação às emissões de gases poluentes acompanha o número de veículos em circulação. Segundo a consultoria Lafis, com o crescimento médio anual de 14% nos últimos seis anos, o Brasil terá, em quatro anos, um automóvel para cada quatro habitantes. Essa proporção se aproxima da existente em países desenvolvidos. Hoje, o País tem 6,6 habitantes por carro em circulação. Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Espanha e Canadá têm entre 1,9 e 1,6. Nos Estados Unidos, a relação é de 1,2 habitantes por veículo.
Segundo a Lafis, mais do que o corte do IPI, as facilidades do crédito com financiamentos de longo prazo têm permitido que consumidores com renda mensal entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil adquiram carros zero quilômetro. As perspectivas de crescimento econômico e a manutenção destas condições devem manter as vendas de carros em alta nos próximos anos. A Fenabrave confirma esta tendência e indica que o desempenho do setor automotivo tem sido positivo em 2010. Os emplacamentos do setor automotivo cresceram 15,63% na comparação do acumulado de janeiro a abril de 2010 com o mesmo período de 2009, saltando de 1.426.460 unidades para 1.649.407.
Não é à toa, portanto, que um estudo da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), feito entre 2006 e 2007, mostra que a qualidade do ar está abaixo do nível desejado. A coordenadora da pesquisa, Cláudia Rhoden, afirma que ainda não é possível identificar os agentes geradores da poluição, mas acredita que o nível elevado de alguns gases tenha correlação direta com o tipo e o número de veículos em circulação na Capital. Entre os sete locais avaliados, o bairro Humaitá, na zona Norte de Porto Alegre, foi o que apresentou maior concentração de gases poluentes. E é exatamente neste ponto da cidade que circula uma grande quantidade de veículos e caminhões.
Para avaliar os níveis de poluição atmosférica foi utilizada a planta conhecida popularmente como coração roxo. Bioindicador vegetal, ela se modifica geneticamente diante de alterações ambientais. Cláudia explica que foram colocados 15 vasos com a planta em cada um dos sete pontos, durante 24 horas. Depois, os pesquisadores coletaram a inflorescência para avaliar as mudanças. “O material que é gerado com erro genético é expulso pelo núcleo da planta. Onde o ar é pior isso acontece com maior intensidade. Esta metodologia de estudo já é aplicada nos Estados Unidos e na Europa”, esclarece. Entre as flores analisadas, aquelas expostas ao ar do bairro Humaitá apresentaram maior quantidade de enxofre - componente liberado pelo diesel de caminhões e ônibus. Mas, para afirmar com certeza de onde provém cada poluente, destaca Cláudia, é necessário analisar as fontes procedentes. “A ideia agora é medirmos as quantidades de poluentes e a procedência”, revela.
Para a Fresp, solução é o oferecimento de transporte coletivo com qualidade e conforto
Para a diretora da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo (Fresp), Regina Rocha, a produção do 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários pelo MMA é fundamental para nortear as decisões do poder público em relação às políticas de transporte. Regina destaca que uma das constatações do levantamento é de que o transporte individual emite 40 vezes mais poluente do que o transporte coletivo de passageiros, na condução do mesmo número de pessoas.
O tópico fontes emissoras mostra que 87% das emissões de CO (monóxido de carbono) partem de carros e motos, enquanto os ônibus respondem por apenas 3%, considerando o transporte de quantidade quase idêntica de passageiros. O monóxido de carbono é resultante da queima de petróleo na atmosfera e causa diversos malefícios à saúde, afetando principalmente o sistema cardiovascular. Em doses elevadas, a exposição ao CO acarreta problemas de visão, redução da capacidade de trabalho, de aprendizagem e da habilidade manual, além de trazer consequências respiratórias pela má qualidade do ar. Regina afirma que além das doenças causadas diretamente pela poluição, o tempo em excesso no trânsito também tem gerado problemas relacionados ao estresse. “Em São Paulo, onde os congestionamentos são recorrentes, as pessoas têm desenvolvido doenças cardiovasculares em função do estado nervoso, síndrome do pânico, assim como perda de qualidade de vida”, complementa Regina.
A partir da constatação da poluição ambiental ocasionada pelos veículos automotores, a diretorda da Fresp afirma que é importante que os governos incentivem o uso do transporte coletivo em detrimento do individual. Atualmente, segundo dados da federação, cerca de 16,8 bilhões de passageiros/ano usam o transporte coletivo enquanto outros 17 bilhões/ano utilizam motos e outros veículos individuais. Para ela, porém, o usuário do automóvel só deixará seu carro em casa se tiver uma alternativa mais confortável, pontual e segura para sua mobilidade diária.
Uma das soluções para diminuir a emissão de poluentes na atmosfera, na opinião de Regina, seria o investimento no transporte coletivo, o que garantiria a redução do número de carros nas ruas. “Entre as modalidades de transporte coletivo, o fretamento é o sistema que tem mais apelo para tirar o automóvel das vias públicas. Isso porque a pessoa que está acostumada com o conforto do automóvel só vai passar a usar ônibus se ele tiver qualidade, comodidade e segurança”, destaca Regina. Esta modalidade de transporte se dá através da contratação de ônibus pelas empresas para o transporte de seus funcionários.
Entre as vantagens, estão a garantia de que todos os passageiros possuem lugar para sentar, que as poltronas têm qualidade, que os itinerários são feitos para atender às necessidades dos clientes e circulam em horários fixos. “Se as empresas adotassem mais estes benefícios para os trabalhadores, também seria muito bom para o meio ambiente. Mas para isso acontecer, o poder público teria que fazer sua parte, a começar por um investimento maior em vias ou corredores segregados para garantir a velocidade e a prioridade no trânsito”, afirma Regina. “Uma pesquisa realizada pelo Instituto LPM - Levantamentos e Pesquisas de Marketing - indica que um ônibus de fretamento retira até 19 carros de circulação, já que 78% dos usuários desse tipo de transporte possuem automóvel e 87% são portadores de carteira de habilitação”, diz.
(Por Cláudia Borges, JC-RS, 13/05/2010)