Depois de quase seis anos, uma ação impetrada pelo PFL (atual Democratas) pode entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal. Apesar de organizações da sociedade civil terem solicitado a realização de audiências públicas, o pedido não foi acatado pelo relator e atual presidente da tribunal, Cezar Peluzo. Se a ação for julgada procedente, todos os processos em andamento serão paralisados e o governo federal ficará sem marco legal para implementar obrigação prevista na Constituição Federal.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo antigo PFL, atual Democratas, que contesta a constitucionalidade do Decreto Federal nº 4887/03, poderá ser julgada em breve. O decreto regulamenta as atribuições do governo federal na titulação de terras de quilombos. Se for revogado pelo Supremo Tribunal Federal, todos os processos em andamento serão extintos e mesmo os poucos títulos já outorgados podem vir a ser anulados. O que estava ruim, pode ficar pior.
Muitas das teses alegadas na ação são esdrúxulas, como a de que só seriam propriamente comunidades quilombolas aquelas formadas antes da abolição da escravidão (1888) e que se mantiveram no mesmo local, contra tudo e contra todos, até a promulgação da atual Constituição Federal, cem anos depois. Todas as comunidades formadas posteriormente à “libertação” dos escravos – que corresponde à grande maioria dos casos – estariam descobertas.
Corre nos bastidores a informação de que caso a ação seja julgada, o resultado pode ser contrário aos interesses das comunidades quilombolas. Ministérios ligados ao tema estão em polvorosa e organizações de classe ligadas ao setor agropecuário aumentaram a frequência de visitas aos ministros do STF. No ano passado, antevendo a dificuldade de muitos ministros em compreender a matéria em suas complexidades, várias organizações da sociedade civil que acompanham o tema pediram ao ministro relator, Cezar Peluzo, que fosse realizada uma audiência pública para aprofundamento, tal como já ocorreu com os julgamentos sobre pesquisa com células-tronco. Esse pedido, no entanto, não foi até o momento aceito, e com a iminência de entrada em pauta da matéria, é muito provável que tenha sido deixado de lado.
Em 8 anos, só 8 terras tituladas
Se for perguntado às comunidades quilombolas do país como avaliam a atuação do governo federal na identificação, demarcação e titulação de suas terras, a resposta da grande maioria será, muito provavelmente, negativa. Isso porque, apesar do compromisso mais de uma vez assumido pelo Presidente Lula em avançar na garantia de seus direitos territoriais, a verdade é que muito pouco foi feito para concretizar esse objetivo. Regras excessivamente burocráticas, órgãos desaparelhados e falta de prioridade política são fatores que levam a um vexame do governo Lula nessa área.
Segundo dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo, em dezembro de 2009, 90% dos 942 processos administrativos abertos no Incra aguardava pela conclusão do relatório de identificação do território (RTID) - a primeira etapa do processo de regularização. E 76% deles não havia sido alvo de qualquer providência além de receber um número de protocolo. Por isso é que em oito anos de governo do PT foram tituladas apenas oito terras de quilombos. Nesse mesmo período (janeiro de 2003 a dezembro de 2009), o governo do Estado do Pará emitiu 25 títulos, o do Maranhão 20, o do Piauí cinco, e o de São Paulo, três. Juntando-se tudo, somente 13% das terras cadastradas na Fundação Cultural Palmares conseguiram, até hoje, a titulação, sendo que a imensa maioria se deu pelo trabalho dos governos estaduais.
Em função da iminência de um julgamento próximo, foi criado um abaixo-assinado online, encabeçado pelo renomado sociólogo português Boaventura de Souza Santos e outras autoridades acadêmicas, pedindo aos ministros do STF que julguem improcedente o pedido do Democratas. Você também pode assinar a petição aqui
(Por Raul Silva Telles do Valle, ISA, 13/05/2010)