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2010-05-11 | Tatianaf

Pronunciamento do Prof. Dr. Heitor Scalambrini Costa - Universidade Federal de Pernambuco na Audiência Pública convocada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Câmara dos Deputados para debater a instalação de usinas nucleares no Nordeste.

Sr. Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Deputado Jorge Khoury meus agradecimentos pelo convite e pela oportunidade de discutir tema tão relevante ao futuro de nosso país. Parabenizo o Deputado Edson Duarte pela iniciativa de propor a realização desta reunião de audiência publica. A todos os membros da mesa e aos demais presentes meu cordial bom dia.

Como professor universitário e pesquisador, considero que, talvez o maior avanço que a filosofia ou a teoria da ciência tenha alcançado em sua caminhada pela história da humanidade seja a descoberta de que não existem “verdades definitivas” quando se está produzindo um discurso científico. Dogmas e verdades absolutas são atributos importantes de outros setores da atividade humana como a religião, por exemplo.

Quando analisamos a ciência e a política, que é o caso em questão, elas se entrecruzam o tempo todo. Os governos – o mundo da política –, não raro, se valem das conclusões provisórias da ciência para produzir políticas públicas. Nesse sentido, as políticas públicas são construídas levando-se em conta, um certo nível de incerteza. Em outras palavras, os governos assumem riscos quando se decidem por este caminho, mesmo quando estão baseados no que tantas vezes se chama de “sólidas evidências científicas”.

Amanhã – como muitas vezes já ocorreu –, a ciência, de posse de novas evidências e melhores instrumentos de pesquisa, por exemplo, pode se contrapor as teorias que até então eram tidas como as que melhor explicavam a realidade. Neste caso, os governos necessitam corrigir rumos nas políticas públicas adotadas previamente.

Mesmo assim, a Ética da Responsabilidade necessariamente reinante na atividade política, para nos valermos da expressão cunhada pelo sociólogo alemão Max Weber, exige que os tomadores de decisão adotem, tendo em conta um espaço de tempo curto, este ou aquele curso de ação em face das evidências mais ou menos pujantes que se apresentam.

No caso da instalação de usinas nucleares para produzir eletricidade, não existem hoje “nem sólidas e nem pujantes evidências cientificas” que apontam na direção de usar esta tecnologia, nem no Brasil, e muito menos na região Nordeste.

Todavia, as diferentes opiniões sobre o tema, devem ser confrontadas. Nesse sentido, é nossa tarefa, discutir a exaustão as diferenças de concepção, estimular o levantamento de questionamentos pertinentes sobre a questão, e apresentar à sociedade. Se há certezas quanto a alguns pontos, excelente, vamos apresentá-los. Porém, se há dúvidas, é necessário discuti-las. E não ficar restrito a uma dezena de senhores e senhoras que tomam decisões que venham comprometer as gerações futuras.

Creio que é um consenso entre nós de que não há fonte de energia sem repercussões sociais e sem impactos ambientais, sem questões a serem resolvidas. Também é fato que o modelo econômico e de desenvolvimento adotado por um país implica em mais ou menos consumo de energia.

Portanto, senhores e senhoras, discutir quanta energia precisamos para transformar este país, e quais as opções energéticas que iremos adotar é discutir o modelo de desenvolvimento econômico-social, a concepção básica da sociedade que queremos, é discutir a democracia, a participação popular, o controle social, enfim discutir o processo decisório que leva a tomada de decisões em nosso país.

Gostaria de iniciar esta minha exposição em discutir com vocês O que é desenvolvimento sustentável?

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro. Essa definição surgiu em 1987 na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. Ou seja, o desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento econômico, social, científico e cultural das sociedades garantindo mais saúde, conforto e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do planeta.

Para isso, todas as formas de relação do homem com a natureza devem ocorrer com o menor dano possível ao ambiente. As políticas, os sistemas de produção e consumo, a transformação, o comércio, os serviços – agricultura, indústria, turismo, mineração – têm de existir preservando a biodiversidade.

Portanto pergunto O que é preciso fazer para alcançar o desenvolvimento sustentável?

Para ser alcançado, o desenvolvimento sustentável depende de planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos. Esse conceito representa uma nova forma de desenvolvimento econômico, que leva em conta o meio ambiente.

Muitas vezes, desenvolvimento é confundido com crescimento econômico, que depende do consumo crescente de energia e dos recursos naturais. Esse tipo de desenvolvimento tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende. É uma visão do desenvolvimentismo, do ‘crescimentismo’ a qualquer preço.

O desenvolvimento sustentável sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a redução do uso de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e da reciclagem.

Crescimento que não se transformar em melhoria da vida das pessoas em todos os aspectos, inclusive em cuidado com a base natural do nosso desenvolvimento, não é desenvolvimento.

Ouvimos aqui e ali, setores governamentais e da sociedade argumentarem que se não forem feitas as hidrelétricas da Amazônia, as usinas nucleares no Nordeste, restará ao Brasil à energia fóssil vinda do carvão ou dos derivados do petróleo.

Será mesmo?
Há inúmeras alternativas num país como o Brasil, como a conservação e eficientização no uso da energia; a produção de energia a partir da biomassa, da energia dos ventos, da energia solar, das pequenas hidroelétricas, das marés, entre outras.

Se você concorda, com aqueles que dizem que nenhuma dessas fontes pode ser levada a sério, em grande escala, veja os números, por exemplo, da Europa. A Alemanha no final de 2009 tinha instalado 25.800 MW de energia eólica; a Espanha, 19.150 MW. Em toda União Européia, 75 mil MW. Na Dinamarca, a energia eólica já representa 20% da energia produzida; em Portugal, 15%. Os Estados Unidos têm 35 mil MW instalados de energia eólica, e somente nos últimos 5 anos instalou 25.000 MW. Para não falar de uma fonte energética somente, vejam também o aumento exponencial do uso da energia solar em várias partes do mundo, quer para o aquecimento de água, quer para a produção da eletricidade fotovoltaica.

Quanto às previsões e opções governamentais para a expansão de energia, essas contas feitas e as propostas apresentadas, são sempre bastante controversas. Existe um planejamento que avalia sempre uma demanda futura e, portanto, tenta suprir essa necessidade com a construção imediata de grandes usinas de energia.

São questionáveis as informações técnicas relacionadas à construção dos cenários utilizados para alimentar a modelagem sobre as projeções de consumo energético. Historicamente, o Setor Elétrico tem feito projeções com base na premissa do crescimento da economia baseado em taxas que geram “previsões” irreais do consumo energético. Por exemplo, em 1987, a projeção para 2005 foi 54% acima do consumo verificado. As projeções com horizontes mais curtos também sempre foram superestimadas. Por exemplo, em 1999, o consumo projetado para 2005 foi 14% maior que o ocorrido.

A correlação do aumento de consumo de eletricidade com o PIB não se comprova e, portanto não pode ser usada como norteadora do planejamento. Dificilmente o consumo de eletricidade vai crescer 5%, 10% ao ano e até mais, como foi durante os anos 1940 a 1990, quando o país estava ainda se eletrificando. Hoje, o país está praticamente eletrificado, de um modo ou de outro, embora a eletrificação por meio da rede rural ainda prossiga, e o Luz para Todos seja um investimento necessário e considerável na ampliação dos mercados para geração e distribuição.

O fato de o consumo de energia no Brasil ter sido sempre superestimado criou e cria expectativas de projetos de obras de grande porte que nunca precisariam ser construídas, e distorções que impossibilitaram, ao longo do tempo, o planejamento racional sustentável do futuro energético do país.

As projeções feitas pela Empresa de Planejamento Energético (EPE) da demanda de energia elétrica para os próximos anos indicam um forte crescimento do consumo a partir de 2010, justificadas na análise otimista das boas perspectivas para a economia brasileira no mesmo período. Em função dessa visão da economia brasileira, as projeções de demanda de energia elétrica para o período 2009-2018 partiram de uma trajetória esperada de crescimento do PIB de 0,5% em 2009, 6% em 2010 e, daí em diante, 5% ao ano, em média, entre 2011 e 2018. Estas análises estão contidas no último Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE), produzido pela EPE para orientar as ações e decisões relacionadas à expansão da produção de energia nos próximos dez anos.

As propostas contidas no último PDEE desnudam que a política energética do Brasil não está baseada nos interesses reais e maiores de um desenvolvimento sustentável, a curto, médio e longo prazo.

O PDEE prevê uma grande expansão nas usinas termelétricas, com a instalação 82 usinas nos próximos dez anos, 74 delas de fontes fósseis. Hoje, existem no Brasil 77 usinas térmicas instaladas, e se todas as forem concretizadas, as emissões de gases de efeito estufa provenientes de termelétricas no país subirão consideravelmente. Uma completa contradição, com o Plano de Mudanças Climáticas lançado recentemente pelo Governo Federal, se comprometendo em reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

Quadro preocupante é o que mostra o Plano Decenal. Enquanto as usinas eólicas passarão de 0,3 para 0,9% da potência instalada no país, a biomassa (bioeletricidade) passará a responder por 2,7% (hoje, 1%), as usinas térmicas aumentarão sua participação de 0,95 para 5,7% (mais de 500%). A expansão pífia prevista para a energia eólica contrasta com as informações do INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que afirma que os ventos poderiam atender a pelo menos 60% de todo o consumo nacional de energia, já que em mais de 71 mil km2 do território nacional a velocidade dos ventos é adequada para este fim.

Logo o que se constata é que os atuais Planos de Energia Elétrica não refletem uma visão de sustentabilidade. O Governo Federal tem priorizado obras de grande porte e alto impacto negativo para a sociedade e o ambiente, além de privilegiar tecnologias caras e ultrapassadas. Desta forma, reproduz um modelo energético arcaico, não traz avanços para o setor e agrava os problemas já existentes. O Brasil pode e deve promover um modelo energético sustentável nacional e regional e assumir uma posição de destaque internacional ao desenvolver seu enorme potencial em eficiência energética e usar as energias renováveis.

Os custos econômicos, ambientais e sociais de usinas nucleares no Nordeste, assim como de hidroelétricas na Amazônia, são altíssimos, e nada pode explicar tamanha insistência com projetos tão desnecessários para o país e tão ineficazes em termos de geração de energia elétrica.

Para nortear esse debate, deixemos claro que quando falamos do uso da energia nuclear nos referimos às inúmeras aplicações pacíficas desta fonte de energia que somos favoráveis, como por exemplo:

No campo médico é usada na radiologia convencional, na mamografia, na tomografia computadorizada, na radiografia dental panorâmica, na angiografia digital, etc. O uso de radiofármacos, podem ser usados tanto no diagnóstico como na terapia.

Na indústria também tem uma infinidade de aplicações, como o RX de soldas. Na indústria farmacêutica para a esterilização com a irradiação de materiais plásticos (seringas, luvas,etc.). A irradiação de plásticos para o aumento de sua dureza na indústria automobilística (parachoques).

Na arqueologia e a na história é usado para a datação de suas peças.

Na agricultura o principal uso é na irradiação de alimentos, em especial frutas e legumes, como forma de conservá-las.

Mas é sobre a produção de energia elétrica nas usinas nucleares que falarei aqui, e tentarei responder a pergunta se a energia nuclear para produção de eletricidade é uma boa solução para o Brasil, e particularmente para o Nordeste?

Atualmente, a energia nuclear corresponde a menos de 2 % da produção energética brasileira, gerada pelas usinas Angra 1 com 657 megawatts, e Angra 2 com 1.350 megawatts. Mundialmente a energia nuclear é responsável por aproximadamente 16% da demanda total de eletricidade.

A intenção declarada pelo governo com a reativação do Programa Nuclear é de aumentar a capacidade nuclear com a instalação de Angra 3, e com a construção de quatro novas usinas até 2030, sendo duas na região Nordeste e outras duas no Sudeste, conforme propõe o Plano Nacional de Energia 2030 – Estratégia para a Expansão da Oferta, apresentado pela EPE.

A elaboração destes planos de expansão de oferta energética, senhoras e senhores, sofre de um erro de origem: a ausência da sociedade no debate da questão energética, e sua efetiva participação no processo decisório. A ampliação do espaço de debate é fundamental para tornar politicamente sustentável o processo de decisão. O debate energético não pode permanecer confinado nas mesas e gabinetes de “experts”, hábeis na manipulação de números e de conceitos, buscando na epistemologia das ciências a legitimação das decisões que afetam toda a sociedade.

Devemos levar em conta que tanto no Brasil, como em outros países do mundo historicamente, a relação entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é muito estreita. O Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura militar e até hoje atende demandas de alguns setores das forças armadas, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Outros grupos de interesse que fazem “lobby” são os setores industriais “preocupados” com o risco de um apagão (a instalação de usinas nucleares não vai afastar o risco do apagão nos próximos quatro anos ou cinco anos), grupos de cientistas pelo prestígio e oportunidades de novas pesquisas e pelo comando do processo, os fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios.

Senhoras e senhores, não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento, merece e deve ser discutida mais amplamente pela sociedade, do que feita apenas pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.

Para responder a questão se “a energia nuclear é uma boa solução para o Brasil e para o Nordeste?”, caberia discutir se essa alternativa de geração de energia elétrica é econômica, segura e ambientalmente limpa. Esse debate é que temos que fazer com a sociedade.

Minha resposta é fácil: NÃO, pelas seguintes razões:

Sobre a economicidade dessas usinas núcleo-elétricas, segundo os estudos da EPE, o custo da eletricidade nuclear de Angra 3 ficará em torno de R$ 138/MWh (são mencionados valores de até R$144/MWh), abaixo dos custos de termoelétricas a gás e carvão importado, e abaixo dos custos da eletricidade eólica (R$ 240) e solar (R$ 1.798).

A título de comparação de custos, a energia da hidrelétrica de Santo Antônio, foi negociada a uma tarifa de R$ 79/MWh, a hidrelétrica de Jirau, o preço foi de R$ 91/MWh (ambas no Rio Madeira), a hidrelétrica de Belo Monte (Rio Xingu), o preço foi de R$ 78,00/MWh, e o resultado do primeiro leilão de energia eólica no Brasil deixaram o MWh em torno de R$ 148. Bem mais reduzido que o apontado pela EPE para justificar a suposta viabilidade econômica da opção nuclear.

Ainda sobre Angra 3 a Eletronuclear informa que o empreendimento custará R$ 7,3 bilhões, sendo que 70% do financiamento virão de recursos do BNDES e fontes estatais, e os outros 30% de investidores internacionais. Quem chegou a estes custos foi a empresa suíça AF-Colenco, especializada na área de tecnologia para empreendimentos energéticos e de infra-estrutura que trazem grande impacto ambiental, contratada em 2007 pelo governo brasileiro para fazer os cálculos dos custos de construção da usina nuclear Angra 3.

De acordo com a análise realizada pela empresa suíça, o custo total do empreendimento ficaria em torno de R$ 7,3 bilhões. Este valor é contestado por organizações do movimento sócio-ambientalista, respaldado por estudos realizados por membros da Academia. O Greenpeace Brasil apresentou um estudo – intitulado “Elefante Branco, Os Verdadeiros Custos da Energia Nuclear” – no qual contesta o empreendimento como um todo e os custos estipulados pela AF-Colenco, em particular. De acordo com estes estudos, o custo real da construção de Angra 3 será pelo menos R$ 2,3 bilhões mais elevado do que o estimado pela empresa suíça. Portanto, o total de capital necessário para finalizar Angra 3 no prazo previsto é de R$ 9,57 bilhões, incluídos os juros e financiamento do período de construção, sem contar R$ 1,5 bilhão gastos até agora.

Também nesse estudo é contestado o prazo de 66 meses estipulado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para a entrada em operação da usina. O governo fez uma estimativa de 30% de progresso já existente na construção de Angra 3. Ainda assim, os 70% restantes consumiriam pelo menos mais 96 meses, conforme o documento do Greenpeace.

As condições de financiamento são controversas, já que a Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10% – muito abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode viabilizar a tarifa de R$ 138/MWh anunciada pelo governo federal para essa usina. A operação a baixas taxas de juros revela o subsídio estatal à construção de Angra 3. Os subsídios governamentais ocultos no projeto dessa usina nuclear são perversos, porque serão disfarçados nas contas de luz. Se isso se verificar quem vai pagar a conta seremos nós os usuários, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo.

Para aqueles que afirmam que o Brasil deve manter-se aberto para todas as possibilidades de aproveitamento na geração e oferta de energia elétrica, digo que a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país.

Quanto à questão da segurança, apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa, oferecendo riscos que podem trazer conseqüências catastróficas ao meio ambiente e à humanidade. O exemplo mais recente foi o acidente pós-terremoto em julho de 2007 (6,8 na escala Richter) na maior usina atômica do mundo, localizada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que provocou, além do vazamento para o mar, a emissão de gás radioativo para a atmosfera.

Não podemos nos esquecer dos incidentes graves com reatores: na cidade de Chernobyl na Ucrânia e Three Mile Island, nos EUA. O primeiro ocorreu com a explosão de um dos reatores possibilitando que uma nuvem radioativa cobrisse todo o centro-sul europeu. Ficou marcado na história pelo acidente mais grave já ocorrido em uma usina nuclear, e que segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a explosão ocasionou a morte de aproximadamente 9.300 pessoas devido aos efeitos da radiação.

E o grave acidente ocorrido na unidade 2 da central nuclear da Ilha de Three Mile na Pensilvânia, que provocou grande extensão de danos, mas sem vítima nem vazamento de radiação para o ambiente.

Acidentes em uma usina nuclear tem baixa probabilidade de ocorrência, mas quando ocorrem são de extrema gravidade em termos tanto dos impactos sobre a saúde humana quanto ao meio ambiente. A energia nuclear envolve riscos exagerados, porque a pior poluição atmosférica pode ser controlada e diminuída, mas a radiação nuclear não. Quando acontecer uma falha será um desastre irremediável.

Não nos esquecendo deste enorme potencial destrutivo da energia nuclear, lembremos do que foi e as conseqüências do desastre de Goiânia.

Do ponto de vista ambiental, afirmar que as centrais nucleares são “limpas” quanto à emissão de gases estufa é uma desinformação imensa, sobre a tecnologia dessas centrais e sobre as condições em que funcionam as etapas da cadeia de obtenção e de processamento do combustível que alimenta as usinas. Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas. Embora pequeno tal risco, existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante 10 mil anos.

Os defensores desta tecnologia não incorporam em seus cálculos de emissões de gases estufa, o processo completo da produção da eletricidade. Os reatores não emitem gás carbônico diretamente, mas, no cálculo de toda a cadeia de produção – da construção da usina, extração do minério ao descarte do lixo radioativo – as emissões são importantes.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado.

Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 gCO2/kWh. O cálculo que faz o Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás.

Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta energia.

Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto. Então, a análise deve considerar a quantidade de energia que colocamos de antemão para produzir a eletricidade nuclear. É importante não omitir esses dados no debate sobre as soluções ao desafio energético do país.

O panorama mundial também não é claro. Enquanto alguns países, particularmente a China planeja a construção de novas usinas núcleo-elétricas, a Alemanha já decidiu fechar todas as suas usinas nucleares, que respondem por um terço da energia naquele país. Esta renúncia é porque não tem o que fazer com o perigoso lixo nuclear e porque entende que essa energia é cara.

Além das questões econômicas, de segurança e ambientais, existe ainda um problema ético. De que não se deve deixar para as futuras gerações a resolução de problemas da época presente. E isso está ocorrendo com os depósitos (ainda relativamente pequenos) de rejeitos de alta radioatividade (lixo atômico) que permanecem em piscinas nas proximidades dos reatores. Senhoras e senhores não devemos aceitar que a nossa geração deixe como herança para as gerações futuras por até dois mil, três mil, dez mil anos, um conjunto de rejeitos radioativos, para que elas tomem conta, enquanto nós nos beneficiemos da energia hoje, com seus riscos, havendo outras alternativas com menores impactos ambientais, com menores riscos, com menores custos e com mais aceitação pela sociedade.

Outro ponto delicado é o chamado descomissionamento, que representa o custo de desmontagem definitiva e descontaminação das instalações das usinas nucleares após o encerramento das suas operações. É preciso que se tenham garantias absolutas de que esse trabalho será levado a cabo com seriedade, e que as instalações e resíduos das usinas não serão simplesmente abandonados contaminados após o seu fechamento.

Creio ser importante também de introduzir nesse debate, os atuais problemas geopolíticos que gera o ciclo de combustível nuclear, a tal ponto que depois das tensões com a Coréia do Norte, atualmente o Irã está em sério perigo de ter seu território invadido militarmente por estar enriquecendo urânio para geração nuclear.

Além disso, a construção de novas usinas nucleares é sempre uma porta aberta para a possibilidade de produção de artefatos nucleares para fins militares, e para o uso não pacífico dessa tecnologia.

O que a sociedade brasileira condena e não aceita mais é a falta de transparência sobre as escolha das opções energéticas, impedindo o acesso a informações sobre como e onde seu, meu dinheiro está sendo investido.

Para um desenvolvimento sustentável, voltado para o bem de todos, da pessoa humana e da natureza, em um país como o Brasil com tantas opções de produção de energias renováveis, nós não precisamos da eletricidade nuclear.

O Brasil tem um potencial gigantesco de geração de energia eólica e solar, só que precisamos começar a olhar para frente, ver que podemos nos beneficiar de investimentos feitos agora nessa área, em pesquisa, desenvolvimento e implantação. Precisamos ganhar com isso no futuro, nos tornando um exportador de tecnologia. Precisamos e podemos ser o país que terá a matriz mais limpa do mundo no futuro. Nenhuma fonte sozinha será capaz de atender às necessidades futuras de geração de eletricidade, a ordem do novo milênio para o mercado energético não é competir, mas sim diversificar com fontes renováveis de energia.

É tecnicamente possível satisfazer à crescente demanda energética usando fontes e tecnologias de energia limpa e sustentável capazes de proteger o clima. Nosso país apresenta um potencial significativo: 143.000 MW para a energia eólica; 10.000 MW para PCHs; e em termoelétricas a biomassa, além de 4.000 MW para o bagaço da cana de açúcar, 1.300 MW para o arroz e papel/celulose. Além do aquecimento solar de água que poderia substituir o chuveiro elétrico, e assim economizar em torno de 10% da energia elétrica consumida no país. Falar detalhadamente das opções energéticas que o país dispõe seria um outro tema de debate.

Logo, senhores e senhores, a atual política energética em curso é míope, pois contempla apenas o aumento da oferta, sem investir na diversificação e na conservação. Temos um sistema com elevadas perdas por desvio, manutenção precária, que pouco incentiva o uso de técnicas construtivas de maior eficiência energética, e pequena utilização de fontes renováveis, como a energia solar e a energia eólica.

Sem duvida precisamos expandir a oferta de energia, mas não necessitamos, para isso, manter a cultura do desperdício e comprometer o patrimônio ambiental e os recursos do país, quando temos alternativas de geração. Nem tão pouco utilizar recursos públicos em projetos com isenção de impostos sobre os lucros, comprometer o capital de empresas estatais e de fundos de pensão e, o absurdo de passar por cima do licenciamento ambiental.

Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular outro mundo necessário para toda a humanidade, este país é o nosso. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, do vento, do Sol, das marés, das ondas do mar e da biomassa.

Entretanto o Brasil, ainda não acordou para isso. Não despertou para as suas possibilidades e para a sua responsabilidade face à preservação da Terra e da vida.

É evidente que a energia nuclear está longe de ser uma boa alternativa para diversificar a matriz energética brasileira. Não é segura, não é ambientalmente viável e não traz benefícios econômicos. Portanto senhoras e senhores, não se conformem com a ameaça que representa a instalação de usinas nucleares em nosso país. Vamos agir enquanto é tempo, pois estamos do lado da grande maioria das pessoas que são contrárias à alternativa nuclear. Segundo pesquisas de opinião, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), com 2.300 entrevistados, nas sete maiores cidades brasileiras, 82,3% se manifestaram contra a conclusão de Angra 3, por entenderem que o País dispõe de “fontes mais seguras e limpas”, enquanto que 84,8% não aceitariam a instalação de uma usina nuclear perto de suas residências.

Para finalizar cito a revista britânica New Scientist que alinhou os seguintes argumentos que desfavorecem a energia nuclear:

• Não sobrevive sem subsídios;

• Os custos para pesquisa e desenvolvimento são altíssimos;

• Também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e do “descomissionamento” dos reatores, assim como da segurança nas usinas.

Com esta reflexão, encerro aqui esta minha intervenção e fico a disposição para o debate agradecendo mais uma vez o convite. Meu muito obrigado.

Brasília, 6 de maio de 2010.

(Por Heitor Scalambrini Costa, EcoDebate, 11/05/2010)


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