Enquanto a vacina não vem, um arsenal que combina as mais variadas armas e estratégias abriu guerra sem trégua para levar à lona um grande inimigo mundial: o Aedes aegypti. Forças-tarefas, cada um a seu modo, procuram a melhor forma de combater o mosquito e conter a dengue, que contamina 100 milhões de pessoas por ano no mundo. Após anos de trabalho no Reino Unido e nos Estados Unidos, pesquisadores chegaram ao inseto sem asa. Vale tudo: da genética a engenhocas criativas.
Inseto transgênico
O vírus da dengue é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. A boa nova é a criação de uma variedade de vetores transgênicos cujas fêmeas são incapazes de voar, devido à interrupção induzida no desenvolvimento de suas asas. No cruzamento dos mosquitos machos com fêmeas selvagens, as gerações seguintes de fêmeas já nascem sem poder voar e, por consequência, sem poder transmitir o vírus da doença. A nova linhagem de mosquitos geneticamente modificados foi publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Pelo experimento, por não poderem alçar voos, as fêmeas transmissoras do vírus morrem rapidamente, reduzindo-se o número de insetos e, por isso, o risco de alastramento da dengue. Segundo os autores do estudo, os machos — que não picam e, por isso, podem continuar a voar — tiveram seus genes alterados e os transmitiram para suas crias, que nasceram com atrofia nos músculos das asas. Os autores estimam que a nova linhagem pode suplantar a população nativa em até nove meses e representa alternativa ecologicamente correta, por dispensar o uso de pesticidas. Até agora, a experiência só transcorreu em laboratórios, mas espera-se que a nova variedade possa ser solta na natureza em 2011.
Monitoramento ganha o mundo
Uma processo mineiro não vem fazendo o mesmo barulho que a experiência internacional, mas já corre o Brasil. E, em breve, poderá ajudar o grupo internacional a rastrear os mosquitos geneticamente modificados, sem asa. “Ainda estamos em negociação”, revela o professor Álvaro Eiras, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, responsável pelo aperfeiçoamento da técnica.
O Monitoramento Inteligente da Dengue é um sistema que demonstrou ter poder de fogo contra o mosquito, monitorando-o nas residências. A técnica é bem simples: consiste numa armadilha que atrai o vetor da doença. A arapuca é como um vaso de planta com uma fita adesiva fixada na parede interior. Dentro do vasilhame, água com odor específico funciona como chamariz do inseto. “Com o cheiro, a fêmea do Aedes aegypti se aproxima e, ao entrar dentro do recipiente para depositar seus ovos, rodeia o interior do vaso, sendo presa pelo cartão adesivo, sem poder escapar ou depositar ovos”, explica o professor. A armadilha é monitorada por um GPS e vistoriada semanalmente, para permitir informações constantes sobre a população de mosquitos. Um agente municipal, com um celular à mão, identifica em qual casa está a arapuca e, ao analisar semanalmente a fita adesiva do vaso adaptado, saberá se há ou não quantidade significativa de mosquitos colados.
Um banco de dados é montado com as informações, numa central, que disponibiliza dados sobre se há ou não foco do mosquito transmissor. O monitoramento já é utilizado em 45 municípios brasileiros, sendo 26 mineiros. Países como a Austrália também se renderam à experiência. Estados Unidos e Cingapura estão de olho. “Com a tecnologia, Três Pontas (MS) conseguiu reduzir de 3,5 mil para 10 os casos registrados entre 2008 e 2009. Oferecemos a armadilha, treinamento para agentes municipais, celulares, acesso à internet e visitas técnicas. Uma cidade com 50 mil habitantes gastará por mês R$ 3,5 mil com tudo isso”, exemplifica o pesquisador.
Evidengue
Se depender do estudo da pesquisadora Virgínia Schall, do Centro de Pesquisa René Rachou, da Fiocruz–MG, o principal criadouro de larvas está com os dias contados. Em 2004, ela desenvolveu um método eficaz contra os insetos intrusos nos vasinhos de plantas. O Evidengue nada mais é do que uma capa com tela de mosquiteiro, espécie de vestido para os vasinhos. A tela é colocada como se embrulhasse o vaso e o prato, no qual fica a água parada. Um elástico na parte interior e uma fita no lado externo são presos nos recipientes caseiros. O modelo foi testado em laboratório, com 100% de eficácia. Nos vasilhames com a capa, o mosquito fêmea não consegue passar pela tela. A proteção está sendo testada em 1.112 mil casas de Belo Horizonte.
Vaso antidengue
Pratos e vasos com gavetas. Para acabar de vez com a velha história da água parada, o que atrai os mosquitos da dengue, o restaurador de Patrimônio Histórico Roberto Luiz de Lima, de Belo Horizonte, criou em 1996 vasos e pratos “antidengue”. No fim do ano passado, o invento recebeu a patente pelo Ministério da Saúde e, nos próximos dias, chegará às lojas. “Em vez de pratos, os vasos, de fibra de vidro, têm gavetas que armazenam a água colocada para a planta. E há também os pratinhos de plástico reciclável com a gaveta que têm a mesma função: não atrair o inseto, permitindo, assim, que a fêmea do Aedes aegypti não deposite seus ovos na água”, explica Roberto. Fabricado em escala comercial, o produto tem sido negociado em todo o Brasil e já foi apresentado até mesmo para autoridades de saúde da América do Sul. “É uma medida simples que pode acabar com um transtorno complicado”, garante Roberto.
(Por Luciane Evans, Correio Braziliense, 10/05/2010)