A hidrelétrica do Xingu será construída. Duas perguntas, no entanto, não conseguiram respostas em quase 30 anos de discussões. A primeira é: Por quê Belo Monte? A segunda é: Por quê não Belo Monte?
“A usina de Belo Monte será construída para que o Brasil tenha a energia necessária para seu desenvolvimento”. Este é o discurso das autoridades, que resolveram desde 2009 incluir a obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e apostar na construção da terceira maior hidrelétrica do mundo em uma região de grandes fragilidades ambientais e sociais. O rio Xingu, onde a usina será implantada, é o maior afluente do rio Amazonas e um dos cursos d´água de maior biodiversidade do planeta. Só ele carrega mais vida do que todas as bacias hidrográficas da Europa. Mas não é só. O rio, em um ponto abaixo da projetada barragem, banha o Parque Indígena do Xingu, moradia de 14 etnias e cerca de 5 mil índios. Parque e índios precisam do rio e de sua biodiversidade para viver.
A construção de Belo Monte, segundo os valores apresentados no leilão do qual participaram dois consórcios liderados por empresas estatais, Chesf e Furnas, deverá custar R$ 19 bilhões, algumas estimativas, no entanto, apontam que pode chegar a R$ 30 bilhões. Como reforço à presença do Estado no empreendimento, O BNDES pode emprestar ao consórcio vencedor R$ 15,6 bilhões, a segunda maior operação de crédito de sua história. Isto, para oferecer ao Brasil 4.5 mil MW. Os movimentos ambientalistas e diversos especialistas em energia apontam que este dinheiro poderia conseguir o mesmo objetivo se fosse investido na redução das perdas das linhas de transmissão, que no Brasil chegam a 15% do que é gerado, contra 5% na Europa e 1% no Japão, e em programas de eficiência energética que reduzam os desperdícios no uso da eletricidade. Um estudo da Unicamp e do WWF aponta que apenas com estas medidas o país poderia colocar à disposição da sociedade 30% mais de energia sem investir um centavo em novas usinas.
Um sobrevoo sobre o Parque Indígena do Xingu mostra que o desmatamento sistemático avançou sobre a floresta até suas bordas. São campos de soja e pastos para a criação de gado que estão comprometendo nascentes e arrancando da mata sua capacidade de manter a vida. A floresta resiste ainda intacta apenas nos 26 mil quilômetros quadrados do parque. “Esta á a principal área de preservação no arco do desmatamento e a área desmatada na região dobrou nos últimos dez anos”, explica Marcio Santili, do Instituto Socioambiental, ONG que atua junto aos povos indígenas. Pelo projeto original, apresentado pelo sertanista Orlando Villas Boas e seus irmãos, as nascentes do rio Xingu deveriam ser incorporadas à área indígena. Em 1961, quando o Parque foi criado, as nascentes do Xingu ficaram de fora, o que abriu a brecha para a discussão sobre Belo Monte, ou Kararaô, como o projeto era chamado no tempo do regime militar.
São apenas 5 mil índios que se refugiam no Parque do Xingu, mas que representam a cultura e um modo de vida que querem preservar. Os desafios de conviver com o não índio impõe aos povos do Xingu a necessidade de fortalecer seus laços com a natureza e com seu passado. No entanto, motocicletas e outros chamarizes das cidades arrancam dos jovens a vontade de ser índio. “No tempo de meus avós a gente não precisava se preocupar com a língua e com as tradições, elas eram passadas normalmente para os jovens”, explica Afukaka Kuikuro, cacique dos Kuikuros que criou um centro de documentação em sua aldeia no Xingu. Ele conta que outros povos já esqueceram seus cantos e que quase já não há pajés nas aldeias. “É preciso estudar muitos anos para se tornar pajé”, explica. E o pajé não é apenas o médico dos índios, é também guardião dos conhecimentos, das histórias, das tradições e da cultura.
A construção da usina de Belo Monte é uma ameaça a mais para os povos indígenas. Não apenas porque a obra vai impactar o rio Xingu, mas também porque cerca de 80 mil operários serão levados para a região para trabalhar nas empreiteiras que vão erguer a usina. Estas pessoas vão interagir com os índios e os conflitos virão. As meninas, indígenas ou não, que vivem com suas famílias nas proximidades das obras vão ser assediadas pelo dinheiro dos operários, assim como já aconteceu e acontece em muitas obras por esse grande interior do Brasil.
Segundo o jornalista Washington Novaes, que produziu os documentários “Xingu Terra Mágica”, de 1984 e “Xingu Terra Ameaçada”, de 2006, a movimentação de terra para a construção da hidrelétrica será superior à do Canal do Panamá, 160 milhões de metros cúbicos de terra e 60 milhões de metros cúbicos de rochas, “um indício do tamanho do impacto que a obra terá na região, sem contar a necessidade de realocação de mais de 80 mil moradores”, diz. Novaes alerta para a falta de interesse do setor elétrico por projetos de eficiência energética, e aponta resultados bastante tangíveis, como o programa implantado nos Estados Unidos após o primeiro choque do petróleo, em 1973, quando o país colocou em operação um grande plano de conservação e eficiência energética e, durante 15 anos mantiveram o consumo de energia estável, mesmo com um crescimento do PIB de 40% no mesmo período.
Outra questão que deveria ser colocada é “para que será usada a energia de Belo Monte?” Tucurui, atualmente a maior hidrelétrica em operação na Amazônia, gera 7,9 mil MW e direciona a maior parte desta eletricidade para a produção de alumínio em dois polos exportadores, Alumar, no Maranhão, e Alunorte, no Pará. São atividades eletro-intensivas que não podem mais ser implantadas na Europa ou nos Estados Unidos. Certamente o desenvolvimento do Brasil precisa de energia. Mas esta energia pode vir de muitas fontes, inclusive da queima do bagaço de cana, que apenas na atual safra oferece um potencial igual ao de Belo Monte. Não em uma mega obra, mas em dezenas de pequenas usinas espalhadas pelo Brasil e já próximas aos centros de consumo. A diversificação da geração em usinas menores, movidas a biomassa e energia eólica, é uma alternativa aos grandes projetos programados para a Amazônia, e parte de uma nova maneira de enxergar o desenvolvimento.
(Por Dal Marcondes, Envolverde, 10/05/2010)