O colapso da proposta de reforma energética no Congresso dos EUA pode devolver o poder a atores históricos na mudança climática norte-americana: as regiões. Por mais que Washington e Ottawa ainda tenham de aprovar a legislação dos cap-and-trade (comércio de créditos de carbono), 23 Estados nos EUA e quatro províncias do Canadá já colocaram um preço no carbono. Esses regimes de corte eventualmente cobrirão metade da população americana e cerca de um terço de suas emissões e aproximadamente três quartos da população canadense e metade das suas emissões.
– A questão aqui é que o governo federal precisa reconhecer explicitamente o valor de programas estaduais – disse Mary Nichols, líder da Direção de Recursos do Ar na Califórnia.
Após ser pioneira em cortes de emissão e em padrões para exaustores veiculares, a Califórnia agora procura medidas para reduzir as emissões dos componentes de plástico no interior dos carros. Mesmo Estados que não aderiram formalmente ao cap-and-trade estão agindo. Neste mês, o Colorado adotou um plano para chegar à produção de 30% de suas necessidades energéticas em fontes renováveis.
Autoridades estatais afirmam que políticas tão visionárias fazem sentido economicamente. Nichols lembra que a lei climática na Califórnia, que pedia uma redução de 25% em gases estufa até 2020, levou à criação de 500 mil novos empregos “verdes” no Estado.
Os mesmos incentivos são verdadeiros ao norte da fronteira dos EUA. Quebec, por exemplo, tem falado insistentemente de suas “credenciais verdes” para ajudar no marketing de energia hidrelétrica. O premiê da província, Jean Charest, argumenta que a natureza descentralizada da autoridade no Canadá e nos EUA estabeleceu uma liderança natural para os governos regionais.
Quebec, graças à sua riqueza em energia livre de emissões, já havia começado a reduzir sua pegada carbônica. Sua emissão de CO2 per capita é de 11 toneladas – mais ou menos a metade da média canadense. Nos últimos anos, a província cobrou um imposto no petróleo para ajudar a financiar o transporte público e está enfrentando pressão para subir a cobrança no próximo orçamento. Quebec elevou ainda mais o nível de exigência em Copenhague ao projetar a meta mais ambiciosa de corte em emissões na América do Norte – 20% em relação aos níveis de 1990 até 2020.
Montreal, cuja maior área metropolitana é casa de cinco milhões de pessoas, também tem papel fundamental. Seus motoristas boicotaram veículos que bebem muita gasolina em favor de carros menores e mais econômicos, e a cidade é uma das poucas na América do Norte com um sistema eficiente de transporte público.
Além disso, a partir de 2013, vai considerar fora da lei o descarte de papel e outros resíduos recicláveis ou lixo orgânico em aterros sanitários. Montreal também foi pioneira ao lançar o sistema de bicicletas Bixi, exportado para Londres, Melbourne, Boston e Minneapolis.
Mas essas iniciativas regionais seriam suficientes para compensar a falta de ação dos governos federais? Charest, de Quebec, que introjetou a economia verde para o núcleo de seu mandato, não vai tão longe:
– Manter-se em 2ºC (de aumento na temperatura global) por meio de acordos regionais seria bem difícil.
Entretando, enquanto não previnem por contra própria os mais perigosos efeitos da mudança climática, os três regimes regionais de cap-and-trade conseguiriam estabilizar as emissões nos EUA, disse Franz Litz, do World Resources Institute.
– A redução é significativa, mas não é suficiente para nos levar aonde queremos ir. Não é a resposta, mas é o começo – disse Litz.
(Por Suzanne Goldenberg, The Guardian, Zero Hora, 10/05/2010)