A escassez de recursos para o controle da forte demanda nos países do Norte deixa o campo livre, na Guatemala, para o tráfico ilegal de animais silvestres, muitos em risco de extinção, alertam especialistas e ambientalistas. O lugar mais afetado pelo tráfico de espécies é o departamento de Petén, fronteiriço com o México, que o governo declarou como protegida uma área de 2,1 milhões de hectares, para otimizar a conservação e restaurar a flora e a fauna depredadas.
Petén, com 35.854 quilômetros quadrados, abriga uma das maiores florestas tropicais da América, com grande quantidade de sítios arqueológicos da cultura maia. Embora haja controles nessa zona, o delegado do Conselho Nacional de Áreas Protegidas em Petén, Julio Madrid, admitiu que é muito difícil a tarefa, pois conta com apenas 300 pessoas para cuidar de toda essa extensão florestal. O contrabando de animais na área se converteu em uma atividade comum.
“Existe uma unidade técnica de controle e proteção que se encarrega dos exemplares apreendidos, que são levados ao centro de resgate”, explicou Madrid ao Terramérica. Isso aconteceu, por exemplo, com os animais descobertos quando iam entrar nos Estados Unidos em dezembro de 2009. O carregamento, destinado à firma Bruce Edelman Reptiles Imports and Exports Inc., em Miami, despertou suspeitas no Serviço de Pesca e Vida Silvestre norte-americano, que notificou a Guatemala.
O envio constava de 300 iguanas verdes (Iguana iguana) e uma quantidade indeterminada de tartarugas, rãs e tarântulas, todas espécies em risco de extinção. Após o alerta norte-americano, o Conselho Nacional de Áreas Protegidas (Conap) guatemalteco descobriu que a firma Zooservicios, responsável pelo carregamento, tinha apenas autorização para transportar iguanas. Embora estas também estejam em risco, os exemplares confiscados em Miami nasceram em cativeiro e por isso podiam ser comercializados, explicou ao Terramérica o diretor de vida silvestre do Conap, Kurt Dutches.
“Há empresas no país dedicadas a reproduzir veados de pescoço branco, rãs, iguanas e outros animais, que podem ser exportados de modo controlado e dentro da lei”, que necessitam de uma autorização e apenas “para os exemplares nascidos em cativeiro de segunda geração”, acrescentou Dutches. A confirmação da ilegalidade levou ao cancelamento, em março, da autorização para a empresa guatemalteca operar. Não era a primeira vez que a Zooservicios utilizava essa artimanha para vender exemplares silvestres.
Entre novembro de 2008 e abril de 2009, enviou para Miami 5.112 animais, todos de forma ilegal, segundo a investigação do Conap, que acabou em uma denúncia apresentada no dia 11 de janeiro ao Ministério Público. Outro caso de contrabando ficou conhecido em 12 de março, quando a polícia localizou, em uma casa na cidade de Guatemala, mais de 70 animais silvestres, entre eles araras, veados, pavões reais, faisões, guaxinins, tucanos, papagaios e macacos capuchinhos. O Conap informa que na Guatemala estão em risco de extinção 1.600 espécies de flora e 740 de fauna.
A lei de proteção promulgada em 1996, que criou o Conap, fixa pena de prisão entre cinco e dez anos e multa que varia de US$ 1.250 a US$ 2.500 para o crime de tráfico de espécies em risco de extinção. Segundo as autoridades, existe uma longa lista de animais com grande demanda no exterior, principalmente Estados Unidos e Europa, “onde são vendidos como animais de estimação exóticos”. Entre eles estão iguanas verdes, iguanas do deserto (Dipsosaurus dorsalis), rãs de olhos vermelhos (Agalychnis callidryas) e verdes (Lithobates vibicarius), além de serpentes, tarântulas e tartarugas.
O veterinário Fernando Martinez, da não governamental Associação de Resgate e Conservação de Vida Silvestre e do Centro de Resgate de Animais Silvestres, disse ao Terramérica que anualmente recebem entre 300 e 500 animais, a maioria produto do tráfico ilegal. “Vimos que anualmente diminui o tráfico de animais”, disse o especialista. Mas esclareceu em seguida que isso não se deve a uma melhoria nos controles, mas “à perda de hábitat da reserva, pois a cada ano é maior o avanço da fronteira agrícola” e o consequente desmatamento. Para Martinez, a falta de recursos é um sério limitador para o cuidado com a biodiversidade. E, a seu ver, o governo não se preocupa com esta situação.
Além do tráfico ilegal, Julio González, do não governamental Coletivo Ecologista MadreSelva, disse ao Terramérica que a mudança do uso do solo, o avanço das monoculturas, as hidrelétricas e a mineração são fatores da grande perda de biodiversidade. Por isso, pediu reforma da Lei de Áreas Protegidas e da Lei Florestal de 1996 para salvaguardar o ambiente e com isso a vida dos seres humanos.
(Por Danilo Valladares, Terramérica, Envolverde, 10/05/2010)