Projeto da Universidade Federal de Rio Grande reaproveitará sedimento retirado de canal portuário para gerar energia suficiente para abastecer uma cidade de 1 milhão de habitantes
Da mistura de lama, areia e resíduos orgânicos, retirada do fundo do mar, virá a energia capaz de abastecer uma cidade de 1 milhão de habitantes. Um projeto pioneiro desenvolvido no Rio Grande do Sul promete gerar energia elétrica a partir de micro-organismos presentes nos sedimentos da dragagem do canal do Porto de Rio Grande. Em cinco anos, a usina ecológica poderá chegar ao pico de 580 megawats por hora e economizar até R$ 6 bilhões.
– É a capacidade de uma termelétrica do porte de Candiota, sem a produção de gás carbônico. Uma nova fonte de energia, com grande potencial de exploração – destaca o professor Fabrício Santana.
Ao lado da professora Cristiane Ogrodowski, Santana coordena o estudo desenvolvido há dois anos no Laboratório de Controle de Poluição da Escola de Química e Alimentos (EQA) da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Marcos Satte de Amarante, Renato Dutra Pereira Filho, Henrique Bernardelli e Sérgio Przyzylski completam o grupo. Mais do que uma fonte de energia, a iniciativa resolve um problema comum a todos os portos: o que fazer com o material dragado?
As dragagens são processos para remover sedimentos que se acumulam com o tempo no fundo do mar, a fim de manter ou aumentar a profundidade dos canais portuários, garantindo o acesso seguro dos navios. Em Itajaí, Santa Catarina, é utilizado o sistema de injeção d’água, que limpa o canal e redistribui os sedimentos. Já em Rio Grande o sistema é o de sucção. Uma embarcação chamada draga suga os resíduos, descartados a 20 quilômetros da costa, em áreas de grandes profundidades.
É deste material, aparentemente sem serventia, que virá a energia elétrica, além de milhares de toneladas de areia e lama. Para isso, os pesquisadores adotam a tecnologia do micróbio elétrico (micro-organismo com capacidade de gerar eletricidade), que teve por base descobertas da década de 60, na Bélgica e nos Estados Unidos. O processo aproveita todo o sedimento retirado do canal. Areia e lama, que correspondem a 96% do material, podem ser comercializadas na construção civil. O restante, onde estão presentes os micróbios elétricos, é utilizado na produção de energia.
O processo aproveita a respiração desses micróbios, que durante a queima (oxidação) da matéria orgânica liberam elétrons, captados por um condutor que gera a corrente elétrica (eletrodos). Associado ao sistema, um circuito elétrico converte a voltagem para valores comerciais tradicionais – 110 ou 220 volts.
Em pequena escala, como nos trabalhos realizados em laboratórios hoje, a quantidade de energia obtidas parece pequena. Porém, como a dragagem do Porto do Rio Grande produz 1,5 milhão de metros cúbicos de sedimentos ao ano, os números decolam. Em cinco anos, segundo a previsão do próprio porto, serão removidos 6,5 milhões de metros cúbicos de resíduos.
A materialização dessa tecnologia depende da construção de uma planta piloto para o tratamento dos sedimentos, prevista para começar no segundo semestre. Para isso, a Secretaria Estadual da Ciência e Tecnologia investirá R$ 300 mil, o porto cederá a área e mais R$ 60 mil, e a Furg subsidiará outros R$ 640 mil, pagos em horas de trabalho dos pesquisadores. No total será investido R$ 1 milhão em três anos.
– Torna o processo de dragagem sustentável. Alia geração de renda e preservação ambiental – destaca o oceanólogo Lauro Calliari, estudioso dos sedimentos dragados.
(Por Guilherme Mazui, Zero Hora, 10/05/2010)