A República do Níger, na África Saheliana, tem um dos menores índices de desenvolvimento humano do mundo. Seu território é praticamente todo formado por deserto e o país vive há anos num ciclo de pobreza extrema, violência e instabilidade política. Sua maior riqueza são suas jazidas de urânio. Mas agora, graças a uma investigação do Greenpeace, sabe-se que elas estão também virando uma grande maldição. O recém-lançado estudo Abandonados ao Pó – Legado Nuclear nos Desertos de Níger, revela, além da devastação provocada por anos de devastação da exploração, que há contaminação de humanos por radiação muito além dos níveis mundialmente aceitáveis.
O estudo é fruto de uma parceria do Greenpeace com o laboratório francês independente CRIIRAD e a ONG nigerina ROTAB. Desde o fim de 2009, pesquisadores medem níveis de radiação na água, ar e no solo nas cidades próximas às minas de urânio do país. Os dados reunidos em relatório mostram que a população de Níger respira, bebe e consome radiação muito acima do recomendado.
Em 1971, presença do urânio em Níger chamou a atenção da AREVA, multinacional de origem francesa entre as maiores do mundo em produção de energia nuclear. Na época, a extração foi anunciada como um esforço de resgate de um país em miséria extrema. A verdade é que o começo desta história coincide com a insatisfação generalizada contra a extração de urânio e outras atividades devastadoras ligadas à geração de energia nuclear em solo europeu. Na África, a mineração podia ser realizada sem burocracias e a baixíssimo custo.
Para o solo, o ar, a água e a população de Níger, os custos, no entanto, foram altíssimos.
Nas cidades de Arlit e Akokan, construídas em função das duas grandes minas da AREVA, o cenário é devastador. Imensas nuvens de poeira causadas pelo detonar das minas chegam a tampar a visão. Testes realizados nesta região concluíram que quatro em cada cinco amostras de água apresentaram níveis de contaminação acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O mesmo valeu para os testes sobre a qualidade do ar. Uma hora de exposição à radiação do local, diz o estudo, extrapola a dose de contato recomendável para um ano inteiro.
O resultado são índices de doenças pulmonares duas vezes maiores do que no resto do país, além de maior incidência de defeitos congênitos e casos de câncer, principalmente leucemia. “O urânio tem tendência a se acumular nos ossos, justamente onde fica a medula. É lá que se desenvolve a leucemia. É muito difícil para o corpo eliminar este tipo de metal”, explica André Amaral, coordenador da Campanha de Energia Nuclear do Greenpeace.
No Brasil, caso semelhante também foi alvo de denúncia, primeiro do Greenpeace, depois do próprio Ministério Público. Após oito meses de investigação, foi encontrado urânio acima dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e a OMS na água de dois poços da cidade de Caetité, interior da Bahia. Os poços estão dentro da área de influência da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que faz a mineração e beneficiamento do urânio na região.
“As minas de urânio pelo mundo contabilizam problemas”, diz André Amaral. “A extração é perigosa, expõe a população a níveis inaceitáveis de radiação e é resultado de empresas e agências reguladoras que agem de forma irresponsável e leviana”, conclui.
Em Níger, a AREVA se declara amiga do meio ambiente, apesar dos chocantes níveis de contaminação comprovados. O Greenpeace cobra um estudo independente conduzido pela empresa e que, após comprovado o problema, empreenda-se um trabalho de limpeza e descontaminação do que ainda puder ser salvo.
(Greenpeace Brasil, 06/05/2010)