Um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos, conseguiu modificar o cérebro de uma espécie de peixe de modo que ficasse parecido com o de outra espécie, tanto no formato como em suas características.
A transformação ocorreu por conta da aplicação de substâncias químicas de modo a manipular genes em embriões em desenvolvimento. O estudo será publicado esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Os cientistas também descobriram diferenças nos padrões gerais do cérebro no início de seu desenvolvimento, antes que funções neurológicas se formassem por meio do processo conhecido como neurogênese.
No desenvolvimento inicial do cérebro, a parte anterior (ou frontal) é especificada a partir da parte posterior. Em seguida, ocorre a neurogênese, à medida que células precursoras amadurecem e se tornam neurônios. Essas células precursoras podem se replicar indefinidamente, mas, uma vez que se tornam neurônios, a replicação termina.
Quanto mais tarde ocorrer a mudança de precursores em neurônios maduros, maior se torna o cérebro ou a região cerebral em questão. Segundo esse modelo, os cérebros de espécies diferentes, por exemplo, do homem e do camundongo, são semelhantes em seus estágios iniciais de desenvolvimento, mas se tornam bem diferentes por conta do processo posterior de neurogênese.
“Encontramos diferenças no padrão geral do cérebro tão cedo quanto 48 horas após a fertilização”, disse J. Todd Streelman, professor da Faculdade de Biologia da universidade norte-americana e um dos autores da pesquisa.
O grupo estudou o desenvolvimento cerebral em seis espécies de ciclídeos (família de peixes fluviais) encontrados no lago Malauí, na África, três que vivem em ambientes rochosos e três de locais arenosos.
“Repetimos diversas vezes testes de dois a quatro dias após a fertilização e verificamos que os ciclídeos de areia exibiam uma expressão maior do gene wnt1, conhecido como um fator importante no desenvolvimento da parte frontal do cérebro. Isso se relaciona com um maior tálamo, a estrutura posterior usada no processamento visual”, disse Jonathan Sylvester, outro autor do estudo.
As espécies de ciclídeos que vivem na areia usam a visão para detectar plâncton e seus cérebros são fortemente direcionados à integração de sinais visuais. Já aqueles que têm nas rochas seu hábitat se alimentam de algas e possuem cérebros maiores, talvez, segundo os pesquisadores, por conta da necessidade de se movimentar por ambientes mais complexos.
“Os genomas das duas espécies são muito semelhantes, quase tão parecidos quanto os genomas de dois humanos diferentes, mas seus cérebros variam tanto como os de dois grupos distintos de mamíferos”, explicou Streelman.
Os cientistas trataram embriões dos dois tipos de peixes com cloreto de lítio por cerca de quatro horas durante o início do desenvolvimento da parte posterior do cérebro a partir da anterior. Depois, os embriões foram devolvidos à água e analisados em diferentes estágios de desenvolvimento.
Os autores da pesquisa observaram que o tratamento alterou a sinalização do gene wnt1, que levou à redistribuição dos precursores para o tálamo posterior, induzindo a formação de um cérebro diferente.
“A neurogênese é um processo muito importante no desenvolvimento cerebral e em sua evolução. Apenas mostramos que há diferenças no processo de desenvolvimento que ocorrem muito mais cedo do que se suspeitava e que essas mudanças são também relevantes para a diversidade cerebral”, disse Streelman.
O artigo Brain diversity develops at the boundaries (DOI: 10.1073/pnas. 0914697107), de J. Todd Streelman e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da Pnas em www.pnas.org.
(Agência FAPESP, 5/5/2010)