Se você for usar um dia para visitar as igrejas (católicas) de Salvador, precisarão exatamente de um ano, 365 dias, para visitar todas elas. E mais ou menos seria este mesmo ritual para conhecer os pequenos Rios que chegavam à Baia de Todos os Santos, uma das maiores do mundo.
Pelo Plano Nacional de Recursos Hídricos, a Bahia está inserida em duas regiões hidrográficas: a do Atlântico Leste e a do Rio São Francisco. Na década de 90, para fins de gestão dos recursos hídricos, a Bahia tinha apenas 13 regiões, em 2005 foram ampliadas para 17 e em 2009 a ex SRH, hoje INGÁ (Instituto das Águas e Climas) ampliou para 26 RPGAs (Regiões de Planejamento de Gestão das Águas).
Especificamente, vamos tratar da RPGA XI, do Recôncavo Norte, que é a Bacia Hidrográfica a que a nossa capital pertence. Na primeira gestão do prefeito João Henrique Barradas Carneiro (PMDB), em 2008, quando era aliado do Governador do Estado Jaques Wagner (PT), silenciosamente mataram o Rio dos Seixos que corria normalmente e era conhecido pela maioria dos soteropolitanos apenas como "Canal da Centenário", em referência à avenida do mesmo nome.
Com a ocupação desordenada do solo e sem a preservação das APPs (Áreas de Preservação Permanente) este canal perdeu a qualidade de rio e passou a ser esgoto a céu aberto, exalando um cheiro fortíssimo de gás de pântano. Como fica em uma das áreas imobiliárias mais caras da Bahia (Bairro da Barra), os "in-gestores" municipal e estadual resolveram fazer o tamponamento do canal transformando-o em uma área de lazer. Jogaram o lixo (efluente) em baixo do tapete e o grande "esgotão" que corria a céu aberto na Avenida Centenário chega ao mar sem tratamento. É mais fácil matar um Rio do que tratá-lo.
Esta obra é um dos questionamentos do Ministério Público da Bahia na 1ª Vara Federal, que pede a retirada da cobertura do Rio, e pede medidas para tratamento daquele corpo d’água.
A lei federal de Recursos Hídricos 9.433/97 e a lei estadual 11.612/09, dizem claramente que "outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água" necessita de Outorga do Órgão Gestor, que na Bahia é fornecida pelo INGÁ - Instituto de Gestão das Águas e Clima, mas como nessa época estes "in-gestores" eram "companheiros" foi uma farra a inauguração do tamponamento do "Canal da Centenário". Festejaram no mesmo palanque o grave crime ambiental.
Quando é cometido um crime ambiental e não tem punição, principalmente quando une gato e rato para atacar o cozinheiro (meio ambiente), geralmente procuram cometer outro de proporção maior. Mas, como digo no título deste artigo, a tal governabilidade ficou mais frágil, aconteceu o rompimento entre o Governador que é do PT e o prefeito que é do PMDB, que, por sua vez, apóia o ministro da Integração Geddel Viera Lima. Para que cada qual ocupe o seu "quadrado", como diz uma das "melôs" da Bahia, resolveram fazer também o tamponamento do Canal do Imbui, que é formado pelos seguintes rios: Saboeiro, Rio das Pedras, Cascão e Baixo Pituaçu que tem o seu exultório na Praia dos Artistas, no bairro da Boca do Rio, obra que foi orçada, aprovada e atualmente em fase de conclusão no valor de R$ 57,5 milhões.
Hoje somos testemunhas oculares dos grandes alagamentos na capital paulista, o que é resultado inequívoco deste tipo de obra em mais de 40 canais da cidade. Salvador tem uma especificidade maior quanto ao Canal do Imbui, porque, com a canalização, a drenagem muda completamente a hidráulica do Rio e, com certeza, a cunha salina da Praia dos Artistas poderá influenciar negativamente e interromper o ciclo natural de reprodução de toda equitiofauna daquele berçário natural.
Canal do Imbui ontem e estágio atual das obras
Além do tamponamento dos Canais da Centenário e do Imbui, estão previstos e aprovadas pelos "in-gestores", verbas para o mesmo procedimento em dois outros canais da cidade: Canal do Vale do Canela orçado em R$ 6,6 milhões e o Canal da Vasco da Gama no valor de R$ 57,3 milhões.
Tecnicamente, o Dr. Carlos E. M. Tucci, em um de seus artigos sobre drenagem urbana diz que: "O ciclo hidrológico sofre fortes alterações nas áreas urbanas devido, principalmente, à alteração da superfície e à canalização do escoamento, aumento de poluição devido à contaminação do ar, das superfícies urbanas e do material sólido disposto pela população. Esse processo apresenta grave impacto nos países em desenvolvimento, onde a urbanização e as obras de drenagem são realizadas de forma totalmente insustentável, abandonadas pelos países desenvolvidos já há trinta anos. A política existente de desenvolvimento e controle dos impactos quantitativos na drenagem se baseia no conceito de escoar a água precipitada o mais rápido possível. Este princípio foi abandonado nos países desenvolvidos no início da década de 1970. A conseqüência imediata dos projetos baseados neste conceito é o aumento das inundações à jusante devido à canalização", que é o que vem acontecendo no "Bate Facho" (favela à jusante do Imbui), que já sofreu três grandes alagamentos após o início das obras do Canal do Imbui.
Parafraseando o ilustre político baiano Otávio Mangabeira, que disse "Pense num absurdo... Na Bahia tem precedente", é que citamos o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) que, em 2003, juntamente com a organização não governamental da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) - Projeto Manuelzão- elaborou um plano de revitalização para o Rio das Velhas, que tem como afluente o Arrudas, que corta a capital mineira, no valor de R$ 1,3 bilhão para que, em 10 anos de ação e de educação ambiental, em 2013, se possa pescar no Rio Arrudas.
Quem bom seria que, se em 2008, quando foi alterado o nome do Órgão Gestor da Bahia de SRH (Superintendência de Recursos Hídricos) para INGÁ (Instituto de Gestão das Águas e Climas) tivessem também teclado um "CTRL C" e em seguida um "CTRL V" nesta ideia revitalizadora do IGAM para podermos também pescar nos rios urbanos de Salvador.
(Por Almacks Luiz Silva, Adital, 05/05/2010)