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direitos quilombolas terras quilombolas incra
2010-05-04 | Tatianaf

As comunidades quilombolas seguem sem ter muito o que comemorar. Em 2009, somente dois territórios tradicionais, ambos no Rio Grande do Sul, foram titulados. O número ficou abaixo do esperado, já que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) divulgara, em 31 de julho de 2009, que 11 comunidades seriam beneficiadas com os títulos definitivos até o final do ano. A meta não chegou nem perto de ser cumprida.

Outro fator que marcou o ano passado foi a revogação da Instrução Normativa (IN) 49 do Incra de 2008 - que estabelece ritos para o processo de titulação. Segundo a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), funcionários do setor quilombola do Incra avaliaram os principais entraves que a norma estabelecia e sugeriram modificações.

A partir dessas sugestões, a IN 56 foi publicada em 7 de outubro de 2009 com procedimentos mais ágeis com vistas à superação de entraves que dificultavam as titulações da IN 49. Apenas 13 dias depois, contudo, a instrução foi revogada e substituída por uma nova norma que reeditou o conteúdo da IN 49 na forma da IN 57, em 20 de outubro de 2009. De acordo com moção de repúdio divulgada pela Condsef diante do ocorrido, a "ressureição" da IN 49 pode ser atribuída "à pressão de setores que são favoráveis a manutenção dos entraves na política de regularização".

As exigências introduzidas a cada nova norma tornaram o processo mais moroso e custoso e, consequentemente, mais difícil de ser concluído, segundo as entidades que atuam no setor. "As sucessivas normas parecem ser muito mais uma concessão aos setores que manifestaram forte oposição aos direitos quilombolas do que o aperfeiçoamento", diz a advogada Carolina Bellinger, assistente de coordenação da Comissão Pró Índio de São Paulo (CPI-SP),  responsável pelo estudo "Terras Quilombolas - Balanço 2009".

A "segurança jurídica" às comunidades, apresentada por parte do governo para justificar a IN 49, não se convence a advogada da CPI-SP. Segundo ela, "devido ao baixo número de titulações, não se pode afirmar que a norma conferiu maior segurança jurídica. No entanto, é certo que não trouxe avanços para efetividade dos direitos territoriais garantidos pela Constituição Federal". O balanço anterior da CPI-SP chamara atenção para o fato de que nenhum território quilombola fora titulado durante o ano de 2008; na ocasião, a publicação da IN 49 foi apontada como um dos motivos para esse resultado.

As duas áreas que receberam os títulos em 2009 não somam 1 hectare. O Quilombo Família Silva, localizado em Porto Alegre (RS), foi parcialmente titulado (uma parte do território é alvo de ação de desapropriação) com 0,23 hectare para 12 famílias. Outra comunidade titulada foi a Chácara das Rosas, em Canoas (RS), com uma área de 0,36 hectare para 36 famílias.

A antropóloga Daniela Perutti, da CPI-SP, afirma que esses dois territórios deveriam ter sido titulados há muito tempo, pois o processo do Quilombo Família Silva foi aberto em 2004. Já no caso da Chácara das Rosas, os quilombolas aguardavam desde 2005 pelo título.

Somados os títulos emitidos pelo governo federal com os dos estados, o número de terras quilombolas tituladas em 2009 sobe para sete. Sendo quatro áreas regularizadas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e uma pelo Instituto de Terras do Maranhão (Interma). No total, 327 famílias foram beneficiadas. O número total de comunidades quilombolas com terras tituladas no Brasil passou para 179, no ano passado. Isto é, apenas 6% do total de 3 mil comunidades que se estima que existam no país, segundo o estudo.

Processos
Em 2009, foram abertos cerca de 137 novos processos para regularização de quilombos no Incra. Ao todo, tramitam 955 procedimentos. Em julho de 2008, 65% dos processos se encontravam na fase inicial [só com número de protocolo]. Ao final de 2009, esse número subiu para 76%. A quantidade de relatórios técnicos de identificação e delimitação publicados passou de 19, em 2008, para 23, no ano passado. Já o número de portarias de reconhecimento diminuiu de 15 para 9, no mesmo período.

O único avanço apontado pelo Balanço 2009 foi a assinatura de 30 decretos de desapropriação. A assinatura de 17 dos 30 decretos ocorreu após cinco anos de tramitação, isto é, os processos foram abertos em 2004. "Trata-se do início do processo de desapropriação, que ainda não representa a garantia do território para estas comunidades. Mas não deixa de ser um avanço, ou a sinalização de um avanço futuro, importante", avalia a antropóloga Daniela.

A reação foi imediata: "quatro dias após a publicação, em 24 de novembro, o deputado federal Luís Carlos Heinze (PP/RS) apresentou os projetos de Decreto Legislativo 2.227 e 2.228 para sustar os efeitos dos decretos relativos as comunidades quilombolas Rincão dos Martinianos e São Miguel, ambas situadas no Rio Grande do Sul", destaca o balanço.

Nos últimos cinco anos, o Incra não utilizou integralmente os orçamentos disponíveis para regularização das terras quilombolas. Em 2009, foram gastos apenas 12% do valor total disponível. O montante é destinado ao pagamento de indenização (para ressarcir os ocupantes das terras demarcadas e tituladas aos remanescentes de quilombos) e também ao reconhecimento, demarcação e titulação de territórios quilombolas.

"A culpa pela não utilização da previsão orçamentária destinada à regularização fundiária também diz respeito à morosidade dos procedimentos administrativos, já que não se consegue ao menos alcançar as etapas em que os gastos poderiam ser feitos", pontua Carolina, uma das autoras do estudo.

Judiciário
Até o final do ano passado, a CPI-SP indicava a existência de 155 ações em curso envolvendo 68 terras quilombolas distribuídas em 20 estados. Deste total, 91 são contrárias aos quilombolas. "Em 2009, foram propostas 29 novas ações envolvendo 38 comunidades em cinco estados. Desse total, 22 são em defesa dos direitos dos quilombolas", contabiliza o balanço.

O estado com maior número de ações foi o Tocantins, com 19, cada uma delas favorável a uma comunidade diferente. A Procuradoria da República no estado ingressou com as ações requerendo a identificação e titulação de terras quilombolas e a fixação de multa para evitar atrasos. Outra ação proposta pela Procuradoria da República de Santarém (PA) visa resguardar os direitos de 13 comunidades quilombolas de Oriximiná que ocupam três territórios sobrepostos à Floresta Nacional Sacará Taquera.

Em Minas Gerais, a disputa envolve o grupo canadense Kinross. Em ação cautelar, a Procuradoria da República de Patos de Minas (MG) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) questionam o licenciamento ambiental do projeto de expansão de uma empresa do grupo canadense, a Rio Paracatu Mineração.

A empresa pretende triplicar a sua capacidade de produção de ouro. A expansão exigirá uma nova barragem de resíduos que precisa ser instalada nas terras da Comunidade Machadinho. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a barragem trará impactos também para as comunidades de Amaros e São Domingos. O processo de votação do licenciamento foi suspenso, em abril, após o pedido liminar ter sido deferido. Mas a empresa ingressou com recurso e conseguiu uma decisão favorável que cassou a anterior. A ação principal ainda aguarda sentença na primeira instância.

Sem seus territórios garantidos, os quilombolas convivem com a insegurança cotidiana "tendo em vista os conflitos com fazendeiros e grandes empresas, a grilagem da terra, a construção de barragens ou empreendimentos", como destaca a antropóloga Daniela. Sem o título, os riscos de perda do território, ou parte dele, são grandes. "E com um território diminuto, tais comunidades sofrem com a falta de espaço para a reprodução de seu modo de vida, de suas atividades econômicas e práticas sociais".

A Repórter Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Incra, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Leia a íntegra do estudo "Terras Quilombolas - Balanço 2009"

(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 03/05/2010)


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