Diretora executiva da Fundação O Boticário, Malu Nunes, defende a busca de alternativas, como a criação de uma política de pagamento por serviços ambientais.
As discussões envolvendo mudanças no Código Florestal têm se acirrado nos últimos dias. Por um lado o setor ruralista faz lobby em defesa da redução das Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais; de outro, ambientalistas defendem a manutenção do Código Florestal, considerado uma das melhores legislações ambientais do mundo.
Para a diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Malu Nunes, a redução de áreas naturais é um retrocesso e mais um exemplo de atitude que beneficia alguns poucos privilegiados em detrimento do bem comum. “Os líderes dessas propostas de mudanças não medem as conseqüências de seus atos para a preservação da vida na Terra, para o futuro do planeta. As reduções de reservas legais e APPspodem trazer graves prejuízos ao patrimônio biológico”, diz.
Quais os prejuízos provocados pela redução das Áreas de Preservação Permanente e reservas legais que estão sendo propostas pelo Congresso Nacional?
As reservas legais e as Áreas de Preservação Permanente (APP), previstas no Código Florestal, são complementares em termos de conservação. A primeira propiciaimportantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas, e aumento da polinização e da produtividade de algumas culturas. As APPs têm como “função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (artigo primeiro do Código Florestal).
Não podemos reduzir mais as APPs e reservas legais em relação ao que determina a lei atual. As áreas naturais reduzidas deixam a vegetação e os animais vulneráveis à ação de fatores externos como ventos, queimadas e à alteração do micro clima por efeito dos raios solares que entram na área com mais intensidade. Com isso, as espécies que vivem nessas áreas correm o risco de extinção por não se adaptarem às alterações no ambiente.
Outro prejuízo é a qualidade da água que chega à população. Com o solo mais exposto, a água fica mais suja, pois recebe maior quantidade sedimentos, restos de culturas agrícolas e agrotóxicos, provocando, inclusive, o aumento dos custos de tratamento desta água.
Alguns defensores das mudanças afirmam que a o Código Florestal não tem base científica. Isso tem fundamento?
Essa afirmação não tem fundamento. A ciência confirma claramente as determinações do Código Florestal. Mesmo o Código Florestal sendo de 1965, o conhecimento científico obtido nestes últimos anos permite sustentar os valores indicados em relação ao tamanho da faixa de área natural necessária a ser preservada para que as APPs e reservas legais possam manter a biodiversidade presente nelas.
Alguns estudos recentes indicam, inclusive, que as APPsao longo de rios deveriam ser ainda maiores do que as indicadas no Código Florestal. Deveriam ser mantidos pelo menos 200 metros de área florestada de cada lado, para que haja uma plena conservação da biodiversidade. A manutenção de corredores de 60 m (30 m de cada lado do rio), limite mímimo definido pela legislação atual, conserva apenas 60% das espécies locais.
Por que as mudanças no Código Florestal que estão sendo propostas são um retrocesso em termos de conservação?
Porque vivemos um momento único em termos de conservação da natureza. Hoje, por conta dos efeitos das mudanças climáticas, a discussão sobre a necessidade de conservação da natureza está na pauta dos grandes líderes mundiais, há discussão de estratégicas para colocar isso em prática. E nós, aqui no Brasil, realizamos audiências públicas para autorizar mais desmatamentos.
É uma atitude ultrapassada cujo foco é o benefício próprio, a busca do lucro a qualquer preço. Os defensores dessa redução das áreas natuarais protegidas não medem as conseqüências de seus atos para a preservação da vida na Terra, para o futuro do Planeta.
O que falta para corrigir esse rumo?
Ainda não temos a consciência de que a nossa vida está diretamente ligada à natureza, que dependemos disso para garantir o fornecimento de água doce, a regulação do clima e a qualidade do ar, para ficarmos nos exemplos mais simples. É da biodiversidade presente na natureza que tiramos a matéria prima de tudo o que consumimos no nosso dia a dia, alimentos, roupas, remédios, móveis, energia, tudo.
Precisamos ter limites e respeitar esses limites para vivermos em equilíbrio. Infelizmente, a conservação da natureza ainda é vista como um entrave, com um empecilho ao desenvolvimento.
Como conseguir esse equilíbrio?
Existem soluções que permitem uma convivência harmoniosa. Precisamos usar os recursos naturais de forma racional. Para a produção de alimentos, não é necessário desmatar mais áreas, o que precisa ser feito é acabar com o desperdício e investir em melhorias genéticas e práticas de manejo que aumentem a produtividade em terras agricultáveis.
Além disso, podemos, por exemplo, criar mecanismos que privilegiem quem preserva, como o pagamento por serviços ecossistêmicos ou ambientais. Essa estratégia parte do pressuposto de que quem protege áreas naturais – sejam eles governos, organizações não-governamentais ou particulares – devem ser reconhecidos e receber incentivos financeiros para continuar preservando. Afinal, toda a sociedade se beneficia dos serviços ecossistêmicos gerados em suas propriedades, como produção de água doce, proteção do solo e regulação do clima.São alternativas que permitem aliar desenvolvimento econômico com conservação da natureza.
Outro aspecto importante é que o Brasil mantenha as unidades de conservação já existentes, principalmente as de proteção integral como Parques Nacionais e Reservas Biológicas, e que essas sejam ampliadas e protegidas com eficiência para garantir a manutenção da biodiversidade. Existe uma grande diferença entre criar áreas protegidas por meio de leis e implementá-las de fato, com fiscalização e boas práticas de conservação.
A proposta de considerar áreas com florestasplantadas como áreas de preservação não atende a necessidade de conservação?
Não atendem quando as espécies usadas nesses plantios são exóticas, ou seja, espécies que não ocorrem naturalmente no nosso país e foram trazidas de outras regiões, como o pinus e o eucalipto. As espécies exóticas podem se tornar invasoras. Pela capacidade de adaptação que possuem e pela falta de inimigos naturais, as espécies invasoras se alastram com facilidade, interferindo diretamente nos ambientes naturais onde foram introduzidas. Elas ameaçam os ecossistemas onde se instalam, geram desequilíbrios e extinções de espécies nativas e também podem causar prejuízos econômicos.
Sobre a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza
A Fundação O Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos, cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza.
Criada em 1990 por iniciativa do fundador do Boticário, a atuação da Fundação O Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação O Boticário já apoiou já doou U$ 9,3 milhões para 1.218 projetos de 390 instituições em todo o Brasil.
A Fundação O Boticário mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país.
Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ecossistêmicos em regiões de manancial, o Projeto Oásis. Criado em 2006, o projeto premia financeiramente proprietários que protegem suas áreas de mananciais na região da Bacia do Guarapiranga, na Região Metropolitana de São Paulo. A metodologia adotada no projeto de São Paulo também é aplicada no Projeto Oásis Apucarana, interior do Paraná, para proteger nascentes três bacias hidrográficas da região.
(Texto encaminhado por E-mail, 29/04/2010)