A iniciativa de empregar a conservação de florestas como forma de compensar as emissões de gases-estufa esquentou o clima da cúpula dos povos contra a mudança climática na cidade boliviana de Cochabamba. Ao final, os participantes chegaram a um consenso e a rejeitaram. A Redução de Emissões de Carbono Causadas pelo Desmatamento e Degradação das Florestas (REDD) instalou-se com força entre as discrepâncias de ambientalistas e ativistas sociais e os países ricos interessados em pagar para manter florestas tropicais como forma de compensar suas emissões de carbono, o principal gás responsável pelo aquecimento do planeta.
De longe era ouvida a batalha verbal da Mesa de Florestas, que discutiu o tema na Conferência Mundial dos Povos contra a Mudança Climática e pelos Direitos da Mãe Terra, que aconteceu entre 19 e 22 deste mês na Bolívia. Ao final, um cartaz dava um sonoro “Não à REDD”, como lema dos povos indígenas que temem perder territórios ou serem despojados de seu espaço de vida diante desta proposta da Organização das Nações Unidas.
Tom Goldtooth, nativo dakota e navajo, diretor da Indigenous Environmental Network (Rede Ambiental Indígena) dos Estados Unidos, se colocou como um dos líderes do protesto, com sua imponente presença, cabelo longo trançado e gesto austero. O ativista pediu ao presidente da Bolívia, Evo Morales, que “rejeite categoricamente” e “cancele” mecanismos da REDD, que começaram na Bolívia com o Projeto de Ação Climática do Parque Nacional Noel Kempff, no departamento de Santa Cruz.
Em 1997, o governo da Bolívia, as empresas de energia American Electric Power, BP e PacificCorp, The Nature Conservancy e a Fundação Amigos da Natureza destinaram US$ 1,6 milhão para liberar 800 mil hectares submetidos a direitos madeireiros, com a finalidade de vender as compensações de carbono resultantes da recuperação florestal. “O fato de o único país do mundo com chefe de Estado indígena ser o anfitrião do Projeto de Ação Climática Noel Kempff, considerado o exemplo-estrela, é aproveitado pelos comerciantes de carbono para justificar e promover a REDD”, diz Goldtooth em carta enviada no dia 9 de março a Morales, que é da etnia aymara.
“Ainda não temos uma resposta”, disse Goldtooth ao Terramérica, em uma pausa dos debates em Cochabamba. “Nossa rede rejeita o projeto porque não existe garantia de respeito aos territórios aborígenes e porque as comunidades podem acabar arrendando suas terras e renunciando à sua propriedade”, afirmou. “Se um povo indígena vende créditos de carbono aos mesmos governos e empresas multinacionais, que estão destruindo o céu e os ecossistemas dos quais dependemos para sobreviver, converte-se em cúmplice de sua própria destruição”, acrescentou.
Na abertura da conferência, Morales declarou guerra aberta ao capitalismo, o qual responsabiliza pela destruição da vida no planeta. Porém, seu governo acaba de acertar com a ONU o programa UN-REDD Bolívia, um plano de “fortalecimento de capacidades institucionais” que será executado entre maio deste ano e abril de 2013, com financiamento de US$ 4,4 milhões das Nações Unidas, com apoio do Banco Mundial e a cooperação alemã. O UN-REDD está definido no documento do projeto como um “programa colaborativo das Nações Unidas para a redução das emissões causadas pelo desmatamento e pela degradação de florestas em nações em vias de desenvolvimento”.
O vice-ministro boliviano do Meio Ambiente, Juan Pablo Ramos, foi consultado em duas oportunidades pelo Terramérica sobre esse convênio e a preservação do Parque Noel Kempff, mas não respondeu, alegando obrigações com a organização da conferência. O alcance do último acordo indica a cooperação para “aumentar a capacidade das organizações nacionais governamentais”, a fim de ingressar em outra fase denominada REDD+, que compreende, além da conservação das florestas, a ampliação de sua capacidade de absorver carbono.
“Quem serão os donos das árvores? Quem se beneficiará? A questão entra em um debate sobre a propriedade privada”, diz Goldtooth. O coordenador do Programa de Florestas e Biodiversidade da Amigos da Terra, o costarriquenho Isaac Rojas, afirmou ao Terramérica que “existe uma ideologia capitalista por trás da REDD”. Em “toda a América Latina são introduzidos projetos dessa natureza que se convertem em ganchos para se aproveitar da pobreza das comunidades”, acrescentou.
“O Projeto Noel Kempff foi criticado porque não cumpre com a mitigação anunciada. Na Colômbia foram violados os direitos humanos, e o único consenso da Mesa de Florestas foi que os mecanismos de mitigação não devem ser mercantilistas”, acrescentou.
A brasileira Camila Moreno, uma das responsáveis pela Mesa e integrante da Amigos da Terra-Brasil, qualificou a REDD como “o Cavalo de Tróia que anuncia uma ameaça de posse de terras e territórios” nas florestas habitadas por povos indígenas. “É difícil crer que os mecanismos criados em órgãos multilaterais, como o Banco Mundial, possam beneficiar os povos”, afirmou. Camila estima que o projeto de compensações foi criado para permitir a entrada de organismos internacionais e vigiar a vida das pessoas, e depois gerar um mecanismo financeiro de negociação de direitos com fins especulativos. “A vida não se vende. Devemos lutar para rechaçar este mecanismo e preservar o sagrado da selva”, insistiu a brasileira.
A REDD, como instrumento de flexibilização, “aplica um critério mercantilista, mas não contribui para reduzir as emissões de dióxido de carbono nos países que as geram”, disse ao Terramérica, a título pessoal, Rafael Rebolledo, do Instituto de Engenharia do Ministério da Ciência e Tecnologia da Venezuela.
(Por Franz Chávez, Terramérica / Envolverde / IHUnisinos, 26/04/2010)