Começa hoje a primeira audiência na história da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos sobre o cultivo de transgênicos. A resolução final poderá ter consequências para o futuro desse tipo de sementes, e também legais para os organismos de controle estatais. O caso da empresa produtora de orgânicos Geertson Seed Farms contra a Monsanto gira em torno de uma alfafa resistente aos herbicidas que foi proibida nos Estados Unidos por um tribunal federal em 2007.
Essa sentença concluiu que o estudo de impacto feito pelo Departamento de Agricultura não era suficientemente rigoroso em relação às consequências para o meio ambiente e para a saúde e determinou outra investigação. Em dezembro, foi divulgado o primeiro rascunho do novo estudo, mas “não há data prevista” para a versão final, disse à IPS Suzanne Bond, porta-voz do Serviço de Inspeção de Saúde Vegetal e Animal (Aphis), encarregado de regular os transgênicos.
Os agricultores orgânicos questionaram o estudo do Departamento de Agricultura com base na Lei Nacional de Política Ambiental, que pode ser muito prejudicada pela resolução final da Suprema Corte, que não está prevista para antes de junho. A lei “obriga os órgãos federais a incluírem o fator ambiental em seu processo de decisão e a considerar as consequências de suas propostas e possíveis alternativas razoáveis”, explicou Bond. A lei também é uma ferramenta legal para que os ambientalistas recusem decisões de organismos estatais.
A vulnerabilidade da lei é uma das razões pelas quais várias organizações se ofereceram para depor no caso contra a Monsanto. O processo “tem amplas consequências sobre a forma como o governo realiza análises ambientais e quando é necessário preparar informes de impacto”, disse Noah Greenwald, do Centro para a Diversidade Biológica, ao justificar a participação de sua organização, que não costuma trabalhar com transgênicos.
“O grande tema é quanta condescendência deve haver com os órgãos de controle e sua capacidade para realizar seu trabalho, em relação com o que é preciso dar à população para que recuse o organismo perante a justiça”, disse o especialista Doug Gurian-Sherman, que escreveu vários artigos de opinião desde que começou o processo em tribunais menores. “A questão aqui é o quanto a Suprema Corte é responsável no que diz respeito a habilitar os cidadãos a exigir de um órgão estatal que não faça seu trabalho. Creio que isso é o essencial dessa decisão”, acrescentou Gurian-Sherman, que trabalha no programa ambiental e de alimentação da União de Cientistas Comprometidos.
A resolução do alto tribunal também terá consequências para os organismos modificados geneticamente nos Estados Unidos e no mundo. Os agricultores orgânicos argumentaram, a princípio, que as abelhas polinizadoras poderiam chegar a trasladar a alfafa transgênica para plantações orgânicas vizinhas, inclusive as que estão a vários quilômetros de distância. A consequente contaminação poderia afetar suas possibilidades de colocar o rótulo de “orgânico” em seus produtos. Além disso, tampouco poderiam exportar sua colheita para países que proíbem os transgênicos.
“É possível que os consumidores não aceitem produtos contaminados. Poderão ser feitas análises de verificação e, inclusive, são feitas rotineiramente, mas o mercado pode chegar a rejeitá-los”, explicou Gurian-Sherman. Outro argumento contra a alfafa Roundup Ready é que combinada com o herbicida Roundup, da Monsanto, pode aumentar a resistência das sementes a esse tipo de produto químico. O Aphis praticamente não considera o assunto em sua análise original, “embora nos últimos anos a incidência das sementes resistentes e suas consequências econômicas contradigam quase completamente seus estudos”, disse o especialista.
As implicações do litígio são extremamente complicadas do ponto de vista ético e sanitário. A amplitude da sentença da Suprema Corte pode chegar a decidir o futuro dos organismos modificados geneticamente. Há um processo judicial contra a beterraba açucareira. O tribunal permitiu seu cultivo este ano, mas se preservou o direito de proibi-lo no futuro. O Departamento de Agricultura prepara um estudo de impacto sobre esse cultivo.
“Há vários indícios de que o Departamento de Agricultura não faz bem seu trabalho no tocante à regulação de transgênicos”, disse Gurian-Sherman, preocupado. “Analisei numerosas avaliações ambientais e considero que foram pouco rigorosas e frequentemente sem sustentação científica. Não foram totalmente negligentes, mas há vários erros de argumentação, ou nos dados, ou na análise destes”, acrescentou.
O Aphis concedeu, desde 1992, o status de “não regulado” a numerosos transgênicos em resposta a 80 demandas, disse Bond, entre elas múltiplas variedades de milho, soja, algodão, colza, batata, tomate, abóbora, papaia, ameixa, beterraba açucareira, tabaco, alfafa, linho e endívia. Os testemunhos que forem dados hoje na Suprema Corte podem chegar a ter consequências significativas sobre essa lista.
(Por Matthew Berger, IPS, Envolverde, 27/4/2010)