No dia 28 de abril, mais de 40 países irão se mobilizar para celebrar o Dia Internacional da Conscientização Sobre o Ruído. Considerado como o principal poluente ambiental depois da poluição das águas, o ruído necessita cada vez mais de um cuidado integrado e multiprofissional. Em entrevista ao Informe ENSP, a coordenadora do Serviço de Audiologia da ENSP, Márcia Soalheiro (Cesteh/ENSP), falou da campanha de 2010, listou uma série de agravos provocados pelo ruído e enfatizou a importância da criação de políticas públicas.
Informe ENSP: Quais efeitos o ruído provoca na saúde humana?
Márcia Soalheiro: Vivemos em uma sociedade muito barulhenta em que as pessoas não estabelecem nenhuma relação do ruído com a saúde humana ou com o meio ambiente. É importante ter consciência dessa questão e buscar melhor qualidade de vida. Numerosos estudos demonstram que o ruído, além da perda auditiva, que é o agravo mais conhecido, ocasiona efeitos indiretos sobre a saúde, como estresse e outros efeitos fisiológicos e psicológicos como, por exemplo, insônia, mudanças no humor, redução da concentração, segurança e produtividade. Depois da poluição das águas, o ruído é o principal poluente ambiental e afeta milhões de pessoas em todo o mundo.
Informe ENSP: Fale um pouco mais sobre as consequências do ruído no ambiente.
Márcia Soalheiro: Temos de estar atentos sobre o impacto do ruído na saúde reprodutiva dos animais, por exemplo. Eles têm uma sensibilidade auditiva muito superior à do ser humano, são mais sensíveis, e existem várias pesquisas que atribuem a queda da natalidade à poluição sonora. Outro aspecto diz respeito à prospecção do petróleo na costa brasileira e os impactos sonoros decorrentes. Há dano na fauna e na flora marinha e, devido à escassez do pescado, há desemprego e mudança de hábitos profissionais, ou seja, prejuízos econômicos e sociais para os trabalhadores da indústria pesqueira.
Informe ENSP: Há falhas nas políticas públicas? Como essas pessoas que sofrem as consequências do ruído estão amparadas? A quem devem recorrer?
Márcia Soalheiro: Existe uma grande defasagem de ações em relação ao ruído. O problema do ruído no meio ambiente é anterior a Cristo. Além disso, no meu entendimento, essa questão sempre foi gestada sobre uma única ótica, com atuação apenas de profissionais de determinadas áreas. No entanto, por conta da amplitude e da complexidade do tema, exige atenção integrada e multiprofissional, de forma que engenheiros, arquitetos, fonoaudiólogos, físicos, médicos, psicólogos, enfim vários profissionais devem lidar com essa questão, apresentando de forma ampla e integrada proposições de ação para a melhoria da qualidade ambiental.
O ruído vem sendo estudado e analisado sob dois aspectos: análise ocupacional ou ambiental, o que já gera desconforto; afinal, por conta de nossa vida urbana, estamos sempre expostos a algum tipo de ruído, independentemente de estarmos no trabalho ou a caminho. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tutela a exposição sonora e a perda auditiva por meio de Normas Reguladoras; o Ministério da Previdência Social (MPS) regula os benefícios; e o Ministério da Saúde (MS), entre outras ações, reconhece o ruído ocupacional como um agravo de notificação compulsória e que, apesar de toda a subnotificação, segundo a Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador/Cosat (2003), ocupa o segundo lugar (18,3%) no ranking de agravos à saúde do trabalhador.
Do ponto de vista ocupacional, podemos ressaltar que os níveis de exposição diferem muito dos que são referendados pela Organização Mundial de Saúde. A perda Auditiva é irreversível, e resta ao trabalhador o recurso da protetização, que de forma alguma substitui o 'milagre' da audição. O trabalhador deve ser atendido no SUS, e, se a perda for relacionada ao processo de trabalho, deverá haver notificação no Sinan para que, diante da leitura epidemiológica, seja possível planejar políticas públicas mais ajustadas.
A Constituição brasileira garante, por meio de diversos artigos e incisos, que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Ruído degrada a qualidade ambiental e por isso polui.
Informe ENSP: Há necessidade de rever as leis relacionadas ao ruído?
Márcia Soalheiro: Como uma das medidas de gestão da poluição sonora, podemos referendar que as Resoluções Conama 01/90 e 02/90 continuam valendo, até porque incorporaram as Normas Brasileiras NBR 10151 e 10152, que visam ao conforto da comunidade e ao conforto acústico.
Apesar de a Carta Magna garantir qualidade ambiental, cabe aos estados e municípios elaborar política ainda mais restritiva. Uma alternativa importante é a análise das licenças ambientais, é preciso que se considere o impacto sonoro ambiental e as medidas atenuadoras. É uma questão de direito difuso. Porém, é preciso que haja maior atenção à qualidade sonora ambiental. O que chama a atenção dos estrangeiros que desembarcam no Brasil é o excesso de ruído. Vários países da Europa já o declararam como inimigo público número um e estão monitorando a sua qualidade sonora ambiental. No Brasil, entretanto, não temos nenhum estudo de mapeamento sonoro.
Informe ENSP: Quem deve ser responsabilizado?
Márcia Soalheiro: A questão é mundial, e já em 1992, durante a ECO, o ruído foi considerado a terceira maior causa de poluição ambiental do planeta. Todos têm parcela de responsabilidade, as pessoas precisam de conscientização. Com relação às políticas públicas, percebe-se falta de integração entre as propostas, e não existe política de controle do ruído.
Informe ENSP: Quais atividades serão realizadas no Dia Internacional da Conscientização Sobre o Ruído (28/4)?
Márcia Soalheiro: A campanha surgiu há quinze anos, e o tema de 2010 será a conscientização da população quanto ao ruído e aos problemas oriundos da exposição a ele. Serão sessenta segundos de silêncio, entre 14h25 e 14h26, para destacar o impacto do ruído, proporcionando aos participantes uma pausa e uma oportunidade de conscientização sobre esse problema que atinge as populações.
Este ano, a Fiocruz decidiu se aliar ao Inmetro e à Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) e aderir à campanha mundial convidando a comunidade a fazer um minuto de silêncio nesse mesmo horário. A data é extremamente rica e importante. Estamos trabalhando com os Cerests estaduais e municipais e iremos levar essa campanha para ser discutida nas universidades, hospitais, escolas, sindicatos, entre outros.
(Informe Ensp/EcoAgência, 26/04/2010)