Quanto ao caso Belo Monte, de tudo o que se debateu, que se criticou, e das medidas judiciais propostas e das decisões judiciais de 1ª e 2ª instâncias; e de tudo o que se noticiou, enfim, nada chama mais a atenção do que as ameaças proferidas há alguns meses e hoje repetidas pela Advocacia Geral da União contra os membros do Ministério Público Federal e contra o magistrado federal que apreciou as ações em Altamira: irão pedir abertura de processos contra eles, em razão de estarem, respectivamente, promovendo e aceitando ações judiciais contra o prosseguimento da obra.
Não soa apenas ridículo, rasteiro e demonstrativo de má-formação jurídica e moral; aparenta antes de tudo conduta antidemocrática e reacionária. Quer estabelecer a mordaça do totalitarismo.
Os arroubos de autoritarismo apresentados sem qualquer pudor desnudam que os atrabiliários daquele órgão de defesa da União estão, a mais que tudo, por sabe-se lá que 30 dinheiros, a soldo do grande poder econômico, de sofreguidão ilimitada. Além da desavergonhada venalidade de suas convicções, demonstram sobranceira arrogância, fazendo com que se julguem acima das conquistas democráticas e das autoridades constituídas. Encegueirados, os áulicos do poder sequer se vêem nas suas condutas.
Quem que milita no foro não sabe o quanto os advogados da União são useiros, vezeiros, abuseiros e lambuseiros em utilizar de todos os recursos e medidas; de todas as chicanas; de tantos e quantos infindáveis embargos de embargos de embargos, sequer permitidos por lei, quanto mais pela moral? Aliás, em casos em que há lei expressa reconhecendo direito da parte adversa, e jurisprudência mais clara ainda interpretando a norma e decidindo milhões de vezes contra a União. Isso sim, claros atos de improbidade, de atentando contra a dignidade do Judiciário, de violação a várias dispositivos do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética da OAB. Quantos graciosos desses foram até hoje punidos? Quantos foram obrigados a devolver aos cofres públicos pelos danos causados à prestação da Justiça e à sociedade? Quantos velhos e desassistidos já morreram pela procrastinação da AGU?
E o advogado-geral da União, no nível de linguagem bem apropriado aos seus propósitos – mesmo ocupando cargo com status de ministro de Estado – chama a atuação do MPF de “esperneio de perdedor”, querendo impor um fato consumado, no que foi rebatido pelo presidente nacional da OAB, que rejeitou a imposição e ressaltou a imprescindibilidade do Poder Judiciário.
Esse é o “cale-se” sagrado da AGU.
(EcoDebate, 26/04/2010)