A notícia de que 86% dos resíduos sólidos da indústria calçadista da região de Novo Hamburgo eram da classe mais perigosa não caiu bem no Centro Tecnológico do Calçado/Senai no município. A pesquisa da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), do final dos anos 90, também trazia a informação que 44% desses resíduos não tinham seu destino informado o que era ainda mais preocupante para a pesquisadora Carmen Serrano. A partir desses dados, o centro começou a pensar em como reduzir o impacto do produto que movimenta o Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, um dos polos nacionais da indústria calçadista.
Assim, iniciou-se o projeto do Ecocalçado, lançado há pouco em escala industrial com as empresas Divalesi, Paulina e Ricarelly. A iniciativa será apresentada durante a 10ª Conferência da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) (veja na página ao lado). Para os pesquisadores era preciso ir além da preocupação com os resíduos. Alterar o ciclo de produção do calçado, buscando matérias-primas mais adequadas, foi a aposta.
Ancorado em padrões internacionais de qualidade, o Ecocalçado segue a Decisión de La Comisión – que, em 2002, fixou critérios para a produção dos sapatos ecológicos na União Europeia. As normas ISO 14000, voltadas para a qualidade ambiental, também estabelecem a eliminação dos resíduos da classe 1 – considerados tóxicos, corrosivos e perigosos ao homem e ao ambiente – e a troca de substâncias tidas como restritivas por outras com eficiência equivalente. Metais pesados como o cromo, responsável por grande parte do processo de curtição do couro, e outros como chumbo e ácido sulfúrico foram substituídos por compostos de origem vegetal, que estão na classe 2, de menor impacto. Química e doutora em Engenharia de Materiais pela UFRGS, Carmen afirma que a eliminação de substâncias da classe 1 é fundamental para que haja o controle do ciclo de vida do calçado.
O desafio enfrentado pelos pesquisadores, portanto, foi buscar alternativas para o couro e a borracha usados na produção dos sapatos (veja ao lado). As substâncias restritivas são, em sua maioria, responsáveis pela pigmentação e, consequentemente, pela possibilidade de uma extensa cartela de cores. Além disso, a nova tecnologia deveria prever uma produção em escala industrial.
Após dois anos fazendo e refazendo testes, os pesquisadores do Centro Tecnológico do Calçado criaram laços com uma rede alternativa de fornecedores e, junto a industriais da região, apresentaram uma alternativa para aqueles que se preocupam não só com o lugar onde pisam, mas com o quê pisam nele.
(Zero Hora, 26/04/2010)