Nilton Drochner descobriu seu verdadeiro talento nas ruas de Santa Cruz
Há uma década, Nilton Drochner, 50 anos, deixou a vida de empresário para percorrer as ruas de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, trabalhando como catador. A história poderia ser vista como um fracasso, mas não é. O homem de sorriso constante tem orgulho da profissão.
Coletando materiais recicláveis que muitos julgam sem valor, Drochner reconstruiu a vida, ajudou a pagar a universidade para as três filhas, comprou uma caminhonete e ainda passou a dar palestras sobre reciclagem. O catador nasceu em Canoas, mas se mudou para Santa Cruz com sete anos. Ao lado do pai, aprendeu a trabalhar nas construções. Tornou-se empreiteiro de obras, mas, sem experiência, endividou-se.
– Eu comprava os materiais no meu nome e nem sempre recebia. Quando percebi, tinha dívidas em toda a cidade – lembra.
Em busca de uma nova profissão, tentou a vida em Brasília (DF), mas a saudade o fez retornar para casa. A mulher e os cinco filhos haviam ficado em Santa Cruz. De volta à cidade, apostou em uma empresa de prestação de serviços. Chegou a ter 50 funcionários, mas o ritmo acelerado de trabalho e a falta de experiência castigaram o organismo.
– Trabalhava direto, sem dormir. Chegou uma hora em que não aguentei mais – conta.
Drochner começou a ter problemas na empresa. Com as dificuldades financeiras, surgiu a pressão alta. A solução para o bolso e a saúde foi abandonar o negócio. Assustado, ele chegou a ter a síndrome do pânico, doença que o impediu de sair sozinho à rua durante meses.
Trabalho ajudou a vencer síndrome do pânico
Em 2000, um convite para participar de um encontro, que pretendia formar uma Associação de Papeleiros, foi o motivo que o obrigou a sair de casa. A associação não deu certo, mas ele se interessou pela atividade. Foi o trabalho de catador que o fez voltar a ter segurança e vencer a doença. Drochner se encantou pelo emprego e, ousado, não teve dúvidas de que seria capaz se sair bem. Hoje, o trabalho de Drochner é feito com dia e horário marcado. Ele percorre a cidade com sua caminhonete vermelha, paga com os materiais recolhidos. A coleta é feita em empresas, escolas e residências. Com respeito, pontualidade, confiança e qualidade, Drochner ganhou os clientes:
– Só recolho nos locais em que combinei com as pessoas.
O catador também faz palestras em escolas de Santa Cruz do Sul há sete anos. Com objetos como uma bolsa feita com sacolas plásticas, um balde reciclado e uma vassoura feita com pet, entre outros, ele ensina aos estudantes a importância da reciclagem. E falar é com ele mesmo. Ainda mais quando o assunto é seu trabalho.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor José Ferrugem, foi criado até um projeto de reciclagem. As crianças aprenderam como separar o lixo e coletaram materiais recicláveis. Tudo foi vendido para Drochner, e o dinheiro obtido serviu para comprar material escolar.
– Eles aprenderam a dar valor a esses materiais e perceberam a importância da reciclagem – disse Adriana Janice Lenz, coordenadora do projeto.
(Por Leticia Mendes, Zero Hora, 22/04/2010)