Não terminou com o leilão e a proclamação do vencedor a polêmica em torno da construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, no Rio Xingu.
Além de incertezas sobre quais empresas vão construir a usina, há pela frente ao menos 15 ações judiciais, risco de mais protestos indígenas e acirramento da disputa política com discussão na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado.
No front jurídico, a Advocacia-Geral da União prepara representações contra procuradores e o juiz federal do Pará responsável pela concessão das liminares contra o leilão, por abuso de prerrogativas. Na trincheira indígena, há temor de invasão em Pimental, onde será construída a principal barragem do complexo, entre hoje e amanhã. Só no setor empresarial ocorreu alguma descompressão com a negativa oficial da J. Malucelli de que abandonaria o consórcio. Também alvo de rumores de desistência, a Queiroz Galvão não se pronunciou, mas o governo reforçou a interpretação de que o interesse da construtora seria elevar sua fatia.
Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Projeto Xingu do Instituto Socioambiental, lembra que o licenciamento foi submetido a um painel de especialistas que lançaram muitas dúvidas.
– Belo Monte está claramente vinculado a uma agenda política – avalia Salazar.
A frase vale tanto para o entusiasmo governista com a obra quanto para o intenso bombardeio da oposição contra a usina. Um dos pontos mais críticos é o custo, estimado em R$ 19 bilhões pelo governo e em R$ 30 bilhões pelo mercado. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, considera improvável o estouro no orçamento, mas nesse caso o risco seria do empreendedor, não do consumidor. Como os empreendedores são em maioria estatais, o risco ficaria com os contribuintes.
– O problema é o retorno que as empresas querem, tudo fica caro se o retorno for rápido demais – avalia Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras.
Mesmo para Claudio Salles, presidente do Acende Brasil, espécie de observatório do setor, que considera a questão “formalmente resolvida”, sobra preocupação:
– Isso pressupõe que o vencedor vai cumprir o prazo, para entregar a quantidade de energia especificada. Há penalidades caso não cumpra com suas obrigações. É uma apreensão que só se esgota quando a usina estiver em operação.
Por que saber mais
Belo Monte é um projeto histórico, a terceira maior hidrelétrica do mundo, e exige grande volume de recursos públicos. As empresas que vão assumir o risco da construção são estatais, há um volumoso financiamento do BNDES, significativa redução de cobrança de tributos e empréstimo subsidiado para compra de equipamentos. Tudo isso é sustentado pelo dinheiro dos impostos que os brasileiros pagam.
- Para o governo, a obra é essencial por oferecer energia barata para sustentar o crescimento e nenhum projeto de infraestrutura desse porte é realizado sem financiamento público.
- Para os críticos, houve pressa para tocar a obra por necessidade de responder aos ataques à lentidão do PAC e à concentração de nova geração em térmicas a óleo, caras e poluentes.
Quais as principais controvérsias
Socioambientais
ONGs ambientais e ligadas aos direitos dos índios estão entre os maiores adversários de Belo Monte. Mesmo com área inundada menor do que a prevista, temem prejuízo à biodiversidade local e à subsistência dos índios da região, porque o projeto prevê o desvio das águas do Rio Xingu, com a consequente redução de vazão em um trecho de cemquilômetros que passa por duas reservas. Os índios receiam que Belo Monte abra caminho para outras barragens.
Econômicas
Embora o governo estime o custo de Belo Monte em R$ 19,5 bilhões, estimativas de mercado situam o valor total em R$ 30 bilhões. Durante a fase de preparação para o leilão, as regras afugentaram os investidores que melhor conheciam o projeto, as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht desistiram de participar, o que aumentou as especulações sobre a viabilidade do preço mínimo estabelecido pelo governo.
Por que investir em hidrelétricas
Mesmo com a grande atenção às energias alternativas – biomassa, eólica, pequenas centrais hidrelétricas –, e a redenção da geração nuclear diante da inexistência de emissões de efeito estufa, as hidrelétricas dão ao Brasil posição invejável na avaliação da matriz renovável. Enquanto a média mundial é inferior a 20%, no país passa de 70%, considerando apenas a eletricidade. Hidrelétricas não dependem de combustível para gerar energia, por isso ainda têm custo mais baixo. Mesmo dependendo do regime de chuva, como podem armazenar água, oferecem fator de capacidade – relação entre potência instalada e energia efetivamente gerada – superior à maioria das fontes alternativas. Como o Brasil tem muitos rios e quedas d’água, aproveitar esses recursos naturais é uma vantagem comparativa do país.
Quem fará
O Norte Energia, formado por nove empresas, era considerado o azarão da disputa, por reunir empresas com menor experiência no setor e não envolver autoprodutores – empresas que poderiam comprar a energia gerada para consumo próprio por preço mais baixo, melhorando a viabilidade econômica do projeto. Também surgiram rumores sobre a disposição de duas se retirarem do grupo. Desde então, a assessoria da Queiroz Galvão não confirma nem desmente a informação. Ontem, a J. Malucelli desmentiu em nota boatos de que se desligaria do consórcio. No texto, afirma estar “satisfeita com o resultado do leilão e também com a parceria estabelecida com os demais membros do consórcio”. Como a Eletronorte tem de entrar no grupo como operadora, a configuração deve mudar.
Qual é o cenário
Conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de planejamento elétrico, o abastecimento está garantido até 2014. Para sustentar crescimento anual de 5%, o Brasil precisaria de 3,5 mil MW a 5 mil MW de nova geração ao ano. Por isso, há controvérsia sobre a urgência de Belo Monte em ano eleitoral. A candidata do governo, Dilma Rousseff, é identificada com o PAC, e a perspectiva da campanha também acirra críticas de setores ligados à oposição.
Qual a importância histórica
- Belo Monte será a terceira maior usina do mundo em potência instalada. Só fica atrás de dois gigantes: Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai, e Três Gargantas, na China, ambos construídos sob regimes autocráticos.
TRÊS GARGANTAS - 18,2 MIL MW
- A obra iniciada em 1994 foi concluída em 2006. As últimas das 26 turbinas entraram em operação no ano passado. Sua implantação, no Rio Yang-Tsé, foi cercada de polêmica, como ameaça de poluição no lago e risco de deslizamentos. Com governo centralizador, a China abafou os debates. O investimento estimado em US$ 25 bilhões aumentou 50% ao longo do projeto.
ITAIPU - 14 MIL MW
- Teve obras iniciadas em 1974 e começou a operar em 1984, em plena ditadura militar no Brasil, que sufocava protestos. O lago, que inundou um cartão-postal, as Sete Quedas, tem quatro vezes o tamanho da Baía da Guanabara. Em 2009, esteve no centro do apagão que afetou mais de 10 Estados. Responsável por 14% da energia no país, foi desligada pela queda de linhas de transmissão.
(Por Marta Sfredo, Zero Hora, 22/04/2010)