Ninguém mostra ter grandes ilusões com a sentença de Haia. Mais que ceticismo, parece uma questão de desconfiança. A cidade se divide em dois tipos de desconfiados. Há os que desconfiam da Corte Internacional porque os interesses em jogo, assinalam, são muito grandes ("é uma Corte do Primeiro Mundo, não vai ordenar a relocalização da Botnia", diz sua profecia). E há os que creem na Corte de Haia, mas desconfiam do governo ("a sentença pode chegar a ser boa, mas é preciso ver se o governo não vai negociar com o Uruguai e diluí-la", é a advertência).
Os desconfiados do primeiro tipo têm uma desconfiança mais antiga, que vem do fato de a Corte, lá longe e muito tempo atrás, ter rejeitado o pedido argentino de frear a construção da Botnia. Os desconfiados do segundo tipo dizem que se sentem em alerta desde que os funcionários dos dois lados do rio começaram a falar de "administrar" a sentença que o tribunal internacional dará a conhecer nesta terça-feira. "Administrar" é uma palavra que aqui faz chiar os ouvidos de todo mundo.
Como for, a opinião difundida em Gualeguaychú, na Argentina, é que o conflito pela Botnia vai continuar e que a luta pela relocalização será de longo prazo. O que acreditam que o tribunal vai dizer? Que os uruguaios violaram o Tratado do Rio Uruguai ao autorizar unilateralmente a construção da papeleira, mas que não irá ordenar o seu desmantelamento.
Seis anos depois
Uma caminhonete com alto-falantes percorre o centro. Convoca para ir, nesta terça-feira, a Arroyo Verde, o lugar do cruzamento de estradas, para ouvir a transmissão da sentença. Na zona comercial, não é possível caminhar dez metros sem se topar com um cartaz sobre o tema. As vitrines têm adesivos contra a papeleira. Os carros levam em seus parabrisas o "Não a Botnia". Na praça principal, dois meninos repartem volantes iguais. No banheiro do hotel, há um convite para "preservar a água do rio" e não pedir que se lave imediatamente as toalhas. Na porta da pizzaria Pouler há um cartaz de "Aberto para a vida". Ao entrar e fechar a porta, pode-se ler ao contrário: "Fechado para a Botnia".
José Pouler, conhecido popularmente como Pepo, um dos fundadores da assembleia, termina de despachar um pedido e ouve a pergunta:
Qual seria uma boa sentença, no mínimo?
No mínimo, teria que dizer que os uruguaios violaram o Tratado do Rio Uruguai e que a Botnia deve se relocalizar, embora ela não vá já e lhe deem um prazo.
E qual seria uma má sentença?
Uma que não dissesse que os uruguaios violaram o Estatuto do Rio Uruguai. Se a sentença der a entender, por exemplo, que eles podiam não consultar a Argentina para construir a Botnia. Ou que considere obsoleto o Estatuto. Isso fecharia as portas para nós.
Pepo para na calçada dos desconfiados do segundo tipo. "Não acho impossível uma relocalização. Nós movemos cidades para fazer represas (referindo-se à Federação, que foi relocalizada para construir o complexo hidrelétrico de Salto Grande). Eles, em dois anos, vão ter amortizado o seu investimento, porque a tonelada de pasta de celulose está em 930 dólares, e a Botnia produz mais de um milhão de toneladas por ano. Se investiram, como dizem, 1,8 bilhões de pesos, já estão perto de recuperar o que perderam. Podem ir embora".
"Minha dúvida é o que os governos vão fazer", continua quase sem respirar. "Que o [presidente uruguaio José] Mujica tenha viajado de surpresa para Buenos Aires para falar com Cristina, sem audiência prévia, acredito que foi porque ele ficou sabendo de alguma coisa sobre a sentença, ele abriu o guarda-chuvas, viajou para pressionar. E aí começaram a falar de administrar a sentença. Isso é algo novo, nunca antes ouvi falar disso. Administrar a sentença, o que significa?".
Gualeguaychú tem cerca de 90 mil habitantes, e tudo fica perto. A quatro quadras da pizzaria Pouler, está o escritório Luis Leisa, um dos advogados da assembleia. Sobre o escritório, Leisa tem um dossiê com os antecedentes da Corte de Haia em matéria ambiental e um apontamento sobre o caso Botnia. Ele está se preparando para a invasão midiática de terça-feira.
"O caso tem dois eixos", lembra. "Seu primeiro objetivo é demonstrar que o Uruguai violou o Estatuto, porque não cumpriu o mecanismo de informação e de consulta com a Argentina antes de autorizar a construção da Botnia. O segundo objetivo é provar que houve um 'dano sensível', isto é, que tem a ver com a contaminação. Eu acredito que o primeiro ponto pode ser obtido, mas não sei sobre o segundo".
Por quê?
Porque a Corte de Haia tem sido muito conservadora com as questões ambientais.
Leisa desconfia da Corte. "Haia não é a Corte Suprema", diferencia, aludindo à sentença sobre o Riachuelo do máximo tribunal argentino.
Ex-intendente – coube-lhe governar na época prévia à instalação da Botnia –, Leisa foi quem, na última assembleia, apresentou uma moção para que se rejeitasse o convite da Chancelaria para que uma delegação de Gualeguaychú ouvisse a sentença junto dos funcionários na Secretaria do Meio Ambiente. Ele propôs, ao invés, que os advogados da assembleia se mantenham juntos para fazer uma primeira leitura da sentença sem contato com os funcionários. "É melhor não se contaminar", disse.
O dia seguinte
Na terça-feira, em Arroyo Verde, vai ser montado um telão para acompanhar a transmissão da leitura da sentença. As pessoas estão convocadas para se reunir uma hora antes, às nove da manhã. Os vereadores já anteciparam sua presença, e o intendente Juan José Bahillo também está convidado. Houve um pedido de que a municipalidade declarasse folga, mas até agora não foi resolvido. Os centros comerciais e as câmaras empresariais também não darão o dia livre aos seus empregados, embora alguns sindicatos, como o dos professores, já anteciparam que irão participar da mobilização.
E depois? Gustavo Rivollier é outro dos historiadores da assembleia, mas em um caso é um dos poucos otimistas detectáveis. "Se a sentença não ordenar a relocalização, mas disser que o Uruguai violou o Tratado", aventura, "a etapa que se seguirá é a da negociação. Aí eu valorizo o trabalho da Chancelaria, que é a que conhece o assunto, e acredito que tem que negociar. Os uruguaios estão desesperados para minimizar os efeitos de uma condenação, e a Argentina não tem que se deixar pressionar. Reparar um dano não é pagar uma indenização, é devolver o bem que foi roubado".
Rivollier, como toda a assembleia, se opõe a que, a partir da sentença, se faça um monitoramento compartilhado da Botnia, "porque isso seria reconhecer uma empresa que está funcionando de maneira ilegal". Mas no debate interno da cidade, já se discute sobre como provar judicialmente a contaminação. Se Haia não a der por provada, porque todas as amostras argentinas estão sendo tomadas na costa de Entre-Ríos (o raciocínio é que os contaminantes detectados poderiam provir de outras indústrias, assim como também de agrotóxicos), então terá que tomar amostras dentro do perímetro da própria Botnia. E, para isso, embora a assembleia não aprove um monitoramento conjunto, terá que ser feito algum tipo de acordo entre os dois governos.
Para o dia seguinte à leitura da sentença, já está convocada uma assembleia na qual os advogados darão a conhecer sua avaliação do ditame. Para o domingo seguinte, está sendo preparada a grande marcha anual para a ponte internacional San Martín, que neste ano espera funcionar como uma canal de expressão do resultado do julgamento.
Só depois, no caso de que a sentença não ordene o fechamento da Botnia, será convocada uma assembleia ampliada com a ideia de que toda a cidade possa discutir sobre como seguir. Os mais entendidos não descartam apresentar uma nova denúncia a Haia. O corte sobre a rodovia 136 também está em discussão. Fala-se de levantar o bloqueio, de reforçá-lo, de mantê-lo, mas seletivo, só impedindo que os caminhões cruzem. Dois dias antes da sentença, a única coisa que tem concordância é que aquilo que o tribunal sentenciar será um ponto de inflexão. Para onde irão depois é uma questão em aberto.
(Por Laura Vales, Página/12, 18-04-2010, tradução é de Moisés Sbardelotto, IHU-Online)