Em 2006, quando quase cem toneladas de peixes morreram, a situação do Rio dos Sinos era precária. Muitos municípios não tinham projeto de tratamento de esgoto, e as indústrias jogavam os detritos de sua produção diretamente no rio, sem que houvesse uma fiscalização para responsabilizá-las. Hoje, ainda que exista o risco de uma nova tragédia, o cenário é um pouco diferente. São Leopoldo já inaugurou, por exemplo, uma estação que trata cerca de 50% do seu esgoto, e outros municípios pretendem, em breve, seguir esse exemplo. “Se compararmos os trechos de amostragem de São Leopoldo e Campo Bom com Canoas e Sapucaia, os dados mostram que há cerca de cinco mil peixes na área afetada e pouco mais de dois mil no trecho superior. Então, parece que a flora está completamente recuperada”, indica o professor Uwe Schulz, que, desde que ocorreu a tragédia, tem realizado pesquisas de monitoramento do rio. Ele concedeu entrevista à IHU On-Line pessoalmente.
Porém, problemas ainda existem. “O problema do rio começa a partir do município de Taquara. A partir daí, a qualidade da água no Rio dos Sinos é classe 4, o que significa que essa água não poderia ser usada para abastecimento público. No entanto, a água é usada assim mesmo. Os problemas começam aí, mas se agravam a partir de Novo Hamburgo que é um foco de poluição e até hoje essa cidade não tem uma estação de tratamento em operação”, explica Uwe.
Uwe Schulz é doutor em Biologia pela Universität Bielefeld (Alemanha). Atualmente, é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. É autor de Programa permanente de Educação ambiental da Bacia Sinos: Etapa Formação de multiplicadores, Projeto Dourado (São Leopoldo: OIKOS, 2008).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a situação do Rio dos Sinos, hoje?
Uwe Schulz – Comparando com 2006, quando houve a mortalidade de toneladas de peixes, podemos dizer que a fauna dos peixes parece recuperada. Os nossos dados mostram que há uma pequena diferença em número de espécies nos trechos afetados. Se compararmos os trechos de amostragem de São Leopoldo e Campo Bom com Canoas e Sapucaia, os dados mostram que há cerca de cinco mil peixes na área afetada e pouco mais de dois mil no trecho superior. Então, parece que a flora está completamente recuperada.
IHU On-Line – Então, nenhuma espécie de peixe foi extinta?
Uwe Schulz – Não temos como saber, porque não temos dados sobre isso de antes do evento. O Rio dos Sinos não foi avaliado nesse trecho onde ocorreu a mortalidade antes de 2006. Então, a base da nossa investigação é a comparação da situação atual de um trecho afetado com um trecho não afetado.
IHU On-Line – Em relação às ações que foram prometidas na época da tragédia, quais efetivamente foram colocadas em prática e funcionaram?
Uwe Schulz – Nessa época ficou muito claro que não existia um plano de emergência para esse tipo de situação. É preciso lembrar que tivemos já dois eventos de mortandade que fora completamente diferentes. A primeira foi um evento a partir do lançamento de uma substância extremamente tóxica. Cerca de dez ou 15 dias, houve um segundo evento onde ocorreu a falta de oxigênio causada pelo lançamento do esgoto doméstico, causando uma mortandade numa intensidade menor.
No primeiro evento, ficou claro que o órgão responsável pelo monitoramento ambiental, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), não foi eficaz, pois ainda hoje não sabemos quais foram as substâncias que causaram o evento.
O segundo episódio foi diferente, pois, então, a FEPAM trabalhou bem, fez um levantamento completo, amostragens da qualidade da água. A partir da primeira mortandade, aconteceu um processo de aprendizagem do órgão ambiental. Hoje, eu acho que a FEPAM é melhor preparada para esse tipo de evento.
Em termos de qualidade de água, a situação é um pouco diferente, porque a gente precisa de mais tempo para mudar a situação. O principal vilão da má qualidade da água é o esgoto municipal, muito mais do que o esgoto industrial. Na parte do esgoto municipal, o cenário futuro é positivo em função das obras previstas no Plano de Aceleração do Desenvolvimento (PAC). Quase todos os municípios têm projetos em desenvolvimento de instalação de uma rede de esgoto e estações de tratamento de esgoto.
São Leopoldo recém inaugurou a sua segunda estação de tratamento de esgoto. Esta é responsável por quase 50% do esgoto total. Os outros municípios estão um pouco atrasados, mas logo essa situação vai melhorar. O esgoto orgânico, no futuro, vai receber uma taxa de tratamento na bacia inteira de pelo menos 50% do esgoto total. Durante a tragédia, somente 5% era tratado. A mortalidade aconteceu em decorrência de uma série de problemas. Assim, uma das causas, que é a baixa concentração de oxigênio em função do esgoto doméstico, vai diminuir.
IHU On-Line – Das cidades pelas quais o Rio dos Sinos passa, onde a poluição é maior?
Uwe Schulz – O problema do rio começa a partir do município de Taquara. A partir daí, a qualidade da água no Rio dos Sinos é classe 4, o que significa que essa água não poderia ser usada para abastecimento público. No entanto, a água é usada assim mesmo. Os problemas começam aí, mas se agravam a partir de Novo Hamburgo que é um foco de poluição e até hoje essa cidade não tem uma estação de tratamento em operação. Através de dois arroios, chegam substâncias no Rio dos Sinos que são extremamente poluentes. O segundo foco é São Leopoldo, mas, agora, com a instalação da nova estação de tratamento, a situação melhorou um pouco.
IHU On-Line – Existe possibilidade de nova mortandade?
Uwe Schulz – Sim, existe. Primeiro existe a possibilidade de um evento como o primeiro em 2006 em função do lançamento ilegal de algumas substâncias tóxicas. Algumas indústrias fizeram o seu dever de casa na construção de estação de esgoto em geral, mas ainda há ovelhas negras nessa categoria lançando esgoto clandestinamente. O cenário é assim: no final de semana, a meteorologia anuncia chuva e, nessa situação, muitas empresas abrem suas portas clandestinas para se livrarem dos esgotos oriundos da sua produção. Todo mundo sabe que isso acontece, a FEPAM não consegue controlar o problema, muito menos as secretarias de meio ambiente dos municípios, e isso pode causar de novo um desastre ambiental como aconteceu em 2006.
Numa situação em que o nível de vazão do rio estiver baixo e a temperatura alta, pode ocorrer também um problema de oxigênio do Rio dos Sinos que, novamente, pode causar mortalidade dos peixes. As duas razões que causaram a mortalidade naquele desastre não foram completamente eliminadas.
A FEPAM falha nesse processo e não conseguiu provas para culpar as empresas por esta situação. Existem indícios de que a Utresa foi envolvida por análises de água que não foram feitas pelo órgão fiscalizador. Ou seja, não há prova técnica.
Nós temos um relacionamento amigável com a FEPAM, que tem uma sede no próprio Comitê Sinos. Esses assuntos que estamos discutindo aqui, eu discuti com os técnicos da fundação, assim eles estão cientes da crítica que existe no meio científico sobre o trabalho deles. No futuro, a ação da instituição certamente será mais eficiente.
IHU On-Line – Qual a importância de se fazer um banco de dados georreferenciados com as categorias dos impactos?
Uwe Schulz – Para combater impactos, é preciso saber onde eles ocorrem e qual é o tamanho. Por exemplo, nós sempre falamos sobre a qualidade da água do Rio dos Sinos. A impressão que essa discussão sempre evoca é que a maior parte da poluição é despejada no Rio dos Sinos. Isso está errado. A água poluída não chega diretamente, através de canos, no Rio dos Sinos. Ela chega através de arroios. Então, a poluição não ocorre na beira do Rio dos Sinos, ela se espalha pela bacia inteira. No projeto Monalisa, onde organizamos um banco de dados georreferenciados com as categorias dos impactos, fiz um levantamento de todos os canos urbanos e rurais na nossa bacia. Dessa forma, sabemos onde ocorrem lançamentos de esgotos domésticos e industriais. Com isso, temos uma base de dados para melhorar a situação atual do rio. Além disso, analisamos e protocolamos a deficiência da mata ciliar. Hoje, sabemos que além do esgoto, esse é um segundo problema que nossa bacia tem. A consequência desse resultado é um novo projeto que estamos construindo, financiado pela Petrobras, que prevê a recuperação da mata ciliar em partes consideráveis da nossa bacia. Sem o diagnóstico do projeto Monalisa, eu nem saberia do estado geral do rio e sua vegetação e muito menos saberia onde implementar projetos de recuperação.
(IHU-Online, 20/04/2010)