Antes de viajar para Haia, onde nesta terça-feira se conheceu a sentença sobre as papeleiras, Susana Ruiz Cerutti assegura que a expectativa da Chancelaria argentina é que a Corte Internacional diga que o Uruguai deveria ter consultado a Argentina sobre a instalação das papeleiras.
A conselheira legal da Chancelaria argentina, Susana Ruiz Cerutti, tem como principal preocupação há quatro anos defender a posição argentina no conflito com o Uruguai sobre as papeleiras na Corte Internacional de Haia. Nesta terça-feira, ela liderará a delegação que, a partir das 10h, ouvirá o veredito do tribunal que irá se estender durante umas três horas.
Por isso, é fácil imaginar como ela estava na sexta-feira passada – no dia anterior à viagem – entrando e saindo de reuniões enquanto dá entrevistas e continua com um olho na situação dos aeroportos europeus que fechavam por consequência da lava vulcânica da Islândia. Nesta entrevista, Ruiz Cerutti admite, além da bandeira do desmantelamento, que hoje as expectativas argentinas ficariam satisfeitas se a Corte reconhecesse que o Uruguai violou o Tratado do Rio Uruguai ao dar luz verde para a instalação da Botnia.
Eis a entrevista.
Com que expectativas vocês estão viajando para Haia?
O que esperamos está relacionado ao que nos levou à Corte. Fomos a ela quando ficou evidente que não havia possibilidades de solucionar pela via da negociação uma controversa de interpretação que tínhamos com o Uruguai em relação ao Estatuto do Rio Uruguai. Entre outras coisas, o Estatuto cria uma Comissão Binacional (CARU) que é a encarregada de levar a cabo essa administração e de completar as normas para a preservação do rio. Essas disposições, em nossa interpretação, não haviam sido respeitadas pelo Uruguai no que se refere à sua obrigação de consultar a Argentina sobre projetos sobre o lado próprio do rio que podiam pôr em perigo a qualidade das águas. O Uruguai decidiu que não tinha que consultar.
Um projeto de planta de celulose como o da ENCE, de 500 mil toneladas por ano, e o da Botnia, de um milhão de toneladas por ano (para se ter uma ideia, todas a papeleiras argentina somadas não chegam a 750 mil toneladas anuais), devem ser consultados previamente pela CARU e pela Argentina. Nesse momento, o chanceler do Uruguai disse que essa era uma questão da soberania do Uruguai e não tinha por que consultá-los. Nós esperamos que a Corte ratifique a interpretação argentina. Em projetos como a ENCE, a Botnia ou o porto da Botnia, não há soberania que valha. Têm que ser submetidos ao regime do Estatuto do Rio Uruguai.
Com relação à contaminação que a Argentina diz que está comprovada e o Uruguai defende que não, até que ponto a sentença é decisiva?
Toda indústria contamina, a questão é o grau. Conduzida pela Secretaria de Meio Ambiente, a Argentina desenvolveu um plano de vigilância ambiental que analisa o rio e seu meio ambiente do lado argentino. Nossos cientistas – trabalharam pessoas das universidades de La Plata e Buenos Aires – produziram relatórios que mostram que existe uma influência da atividade da planta que é notada no rio. Levamos esses relatórios à Corte, e o chefe da equipe contribuiu com elementos que demonstram que existem sintomas da presença dos efluentes da Botnia. Até que ponto isso vai ser considerado pela Corte como um prejuízo sensível que implique em que o Uruguai está descumprindo também os artigos do Estatuto que obrigam as partes a não produzir esse prejuízo, isso temos que esperar pelo pronunciamento. Sem dúvida, se conseguirmos que a Corte diga que o Estatuto se aplica a empreendimentos como a Botnia, isso vai nos indicar que essa planta que já está trabalhando não pode produzir prejuízos sensíveis. Não daria um cheque em branco, mas indicaria sim que esse empreendimento vai ser vigiado estritamente por meio da Comissão do Rio Uruguai.
É lógico esperar que a sentença seja de um desmantelamento, como defendem os assembleístas de Gualeguaychú, dado o tamanho da planta da Botnia?
Quanto a Argentina recorreu à Corte, havia uma ENCE, uma Botnia, um porto que apareciam como projeto e a decisão do Uruguai de não consultar nada. Também se falavam de outros projetos. Nesse momento, não havia nenhuma planta de celulose funcionando. A primeira que fala de desmantelamento é a própria Corte, porque quando, nos dizem não à medida cautelar que buscava parar sua construção em julho de 2006, dizem que ela vai resolver sobre o fundo da questão no final do caso. E se, nesse momento, considera isso necessário, pode chegar a tomar diversas medidas, entre elas até o desmantelamento. Ou seja, continua estando dentro das possibilidades do que a Corte pode decidir, não foi inventado pela Assembleia de Gualeguaychú.
O Uruguai defende que a tecnologia que a Botnia utiliza é o que há de mais avançado no mundo. É isso?
A questão é que o Uruguai – e a Argentina – não podem decidir por si mesmo sem consulta, sem informação prévia e sem intervenção da Comissão para o Rio Uruguai em um empreendimento dessa natureza. O Uruguai não pode ser juiz do fato de esse empreendimento corresponder ou não. Deve consultar o seu vizinho.
Em princípio, os dois países se comprometeram a acatar o que a Corte Internacional decidir. Como pode-se imaginar o dia depois da sentença?
Mas a Argentina não tem nada o que acatar! Quem descumpriu o Estatuto, que é o motivo pelo qual fomos à Corte, é o Uruguai. Espero que a sentença seja uma espécie de mapa, um guia, para que os países voltem a trabalhar na CARU como sempre fizemos. O ideal seria que desenvolvêssemos juntos todas as possibilidades que esse órgão tem e que levemos em conta o que a Corte nos diga para a futura gestão desse recurso compartilhado. Estou certa de que vamos nos entender, seguindo as guias que o Tribunal nos der. Para isso fomos até ele, a forma mais civilizada de resolver uma diferença.
Vocês se mantêm em contato com os assembleístas de Gualeguaychú. Existe alguma conversa para que levantem o corte depois da sentença?
Esse tema não é da nossa competência. Nós somos da equipe que defendeu a posição nacional da Corte Internacional. Também não é uma questão que tenha relação diretamente com a Chancelaria. Tivemos encontros com a Assembleia de Gualeguaychú, também com a Secretaria de Meio Ambiente, onde lhes informamos sobre os passos que foram sendo dados no julgamento. Nós estamos mandando algumas mensagens à Assembleia. Certamente, nos interessa que eles compreendam o que estava sendo buscado e o que pode se chegar a obter nessa decisão judicial. E seguramente vamos continuar analisando e tentando ajudar com a nossa interpretação da sentença. Mas com relação ao corte de rota, não temos uma relação com eles.
É preciso dizer que o governo argentino também não fomentou esses cortes e tentou dissuadi-los de maneira permanente. Se o resultado que se der é como o que eu digo, é um pouco o objetivo que os assembleístas se propuseram no começo de sua campanha: "Não às papeleiras". Se o Uruguai deve necessariamente submeter à Comissão Binacional e à Argentina projetos dessa natureza e ter que aceitar as observações e comentários que lhe sejam feitos, de alguma maneira o "Não às papeleiras" terá sido alcançado. Com relação a Botnia, bom, esperemos para ver o que o tribunal diz.
Então, se a Corte de Haia defender em sua sentença que o Uruguai violou o Estatuto do Rio Uruguai, a Argentina já se sentiria satisfeita?
Estaríamos muito satisfeitos, porque esse foi o motivo da discordância. Há muito poucos dias, quando estava prestes a entregar o cargo ao presidente Mujica, o ex-presidente Tabaré Vázquez insistiu que isso era uma questão que pertencia à soberania do Uruguai. Esse foi o nó da questão. Lembro que um senador perguntou a Martha Petrocelli, que era a presidenta da delegação uruguaia na Comissão do Rio Uruguai, o que teria acontecido se o Uruguai tivesse consultado a Argentina. A resposta não podia ser mais clara: "Ah, então a obra não deveria ter sido feita". De modo que, no que se refere à vigência do Estatuto e à obrigação de cumprir seus requisitos – que não são menores nem simplesmente processuais – que fazem a saúde do rio, podemos estar bem satisfeitos. Esperemos que seja assim.
Vocês devem ter estudado sentenças da Corte de Haia em questões similares. Têm algum temor diante do que ela possa resolver?
Temor não, ansiedade sim, e uma enorme curiosidade para saber o resultado.
Deve-se imaginar que, a partir da posse de Mujica, o Uruguai mudaria sua política com relação à radicação desse tipo de indústrias?
Temos que esperar para ver o que a Corte diga, e que os países se adaptem a essas conclusões. Pelo que vimos na imprensa uruguaia, há uma ratificação de um projeto que foi o da ENCE – e que felizmente se distanciou do rio Uruguai –, onde a Stora Enso se instalaria. Depois há outros projetos, que agora parecem se orientar para outras direções. Talvez seja uma antecipação a isso que nós esperamos da sentença: preservar o rio Uruguai das indústrias contaminantes.
(Por Fernando Cibeira, Página/12, tradução Moisés Sbardelotto, 21/04/2010)