"Uma tragédia social e ambiental completa." Assim a antropóloga Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará (UFPA), sintetiza o que ela e outros pesquisadores esperam do projeto da Hidrelétrica de Belo Monte.
Segundo ela, os estudos disponíveis não são suficientes para estimar, com precisão, qual será o impacto da obra sobre os ecossistemas locais. Mas o pouco que se sabe, diz, já é suficiente para dizer que o prejuízo será altíssimo, tanto para a riqueza biológica quanto cultural da região.
O maior impacto será sobre o entorno da Volta Grande, um trecho de 100 quilômetros em que a vazão natural do rio será reduzida em até 80%, porque a água será desviada por canais artificiais para abastecer o reservatório da hidrelétrica.
"O que eles chamam de vazão reduzida, as populações locais chamam de sequeiro, porque vai secar mesmo", afirma Sônia, que coordenou uma revisão independente do impacto ambiental do projeto, com a participação de 40 pesquisadores.
Ela explica que, por questões topográficas naturais, esse trecho em curva forma um ecossistema diferenciado do restante do Xingu. "É como se fosse um outro rio", diz. Só a Volta Grande, segundo os biólogos, tem mais espécies de peixes do que a Europa. Muitas são endêmicas - não existem nem em outros trechos do Xingu -, e pelo menos três já são classificadas como ameaçadas de extinção.
"É provável que algumas espécies desapareçam", diz o coordenador adjunto do Programa de Políticas e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul do Valle.
E não só de peixes. Todas as espécies de fauna e flora da região têm seu estilo de vida associado de alguma forma às variações naturais de vazão do rio, que deixarão de existir após a construção da barragem.
Espécies de plantas que vivem nas margens inundáveis deverão desaparecer, substituídas por espécies de terra firme. Espécies de aves, insetos e outros animais que dependem dessa vegetação, consequentemente, também serão afetadas.
"Dois terços da Volta Grande ficarão com menos de 20% da água que tem hoje. É um impacto gigantesco", diz Valle. "Todos os ecossistemas da região serão profundamente afetados."
Uma ironia trágica, segundo ele, é que o empreendimento classifica essa vazão reduzida como "água desviada", apesar de correr no leito natural do rio. "É desviada da produção de energia, que é o que realmente interessa nesse caso", diz Valle.
Ao impactar a biodiversidade, o empreendimento põe em risco também a sobrevivência de milhares de pessoas que dependem desses recursos naturais para sobreviver, apontam os pesquisadores. Em especial, ribeirinhos e indígenas que têm no peixe sua principal fonte de alimentação.
"As comunidades locais dependem totalmente, também, dessa dinâmica natural do rio", diz o coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, Carlos Rittl.
(Por Herton Escobar, O Estado de S.Paulo, 21/04/2010)