Desde o início do projeto de Belo Monte, no Rio Xingu, ainda na década de 80, indígenas e ambientalistas se posicionaram contrários à usina e protestaram contra sua construção. Mais de 20 anos depois, novos protestos se repetem. Ontem, militantes realizaram protestos em sete capitais (Belém, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Florianópolis e Porto Velho). Apesar da polêmica criada em torno da obra, as manifestações em Brasília ocorreram de forma pacífica e não atrapalharam o leilão, na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - que contou com reforço de 350 policiais, mais cem seguranças.
O movimento começou no início do dia, quando um caminhão despejou três toneladas de esterco de vaca na frente da agência, a mando do Greenpeace, que fincou placas no material com dizeres, como "Belo Monte de merda".
Protestos tiveram o apoio de entidades internacionais
Seis ativistas se acorrentaram em frente ao prédio e na lateral, prejudicando a entrada de funcionários, mas sem incidentes. Às 10h45m, esterco e manifestantes foram retirados sem violência. Neste momento, a mobilização foi engrossada por passeata com 500 manifestantes, segundo a Polícia Militar.
Para os organizadores da marcha, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), 700 pessoas participaram da caminhada entre a Catedral, na Esplanada dos Ministérios e a Aneel. Os manifestantes portavam várias bandeiras com frases como, "Os povos indígenas não aceitam Belo Monte" e "BNDES que desenvolvimento é esse?", numa referência ao financiamento pesado ao empreendimento.
Segundo o secretário-adjunto da entidade, Cleber Cesar Buzatto, a orientação dada é que fossem manifestações pacíficas.
- Para demonstrar o descontentamento e a indignação contra o leilão e o prosseguimento da construção da usina.
Segundo o Cimi, os protestos no Brasil contra a construção da usina tiveram o apoio de entidades internacionais voltadas para questões ambientais. A ONG alemã SOS Regenwald (S.O.S. Floresta), informou o conselho, reuniu 16 mil assinaturas para uma carta que enviou ontem às embaixadas brasileiras na Alemanha, Áustria e Suíça, onde tem atuação. No texto, a ONG alerta para impactos ambientais e aos povos indígenas.
Com a mesma intenção, a International Rivers, que atua em EUA e Canadá, fez campanha contra o empreendimento. Segundo o Cimi, a entidade convocou seus membros a telefonarem para as embaixadas brasileiras nos seus países, pedindo ao governo que busque melhores alternativas de energia.
O Cimi informou ainda que o assunto Belo Monte será discutido hoje na Bolívia, numa Conferência sobre o Clima e na próxima semana, no encontro anual da ONU, que vai tratar das questões indígenas.
Segundo a AMB, a barragem atingirá aproximadamente 24 aldeias dos povos indígenas localizados na região do Xingu.
A líder Xingu Sheila Juruna prometeu guerra à hidrelétrica. À frente do protesto, que vai culminar com uma aldeia multiétnica no ponto onde se prevê a barragem, a líder indígena estava indignada com o leilão. Desde segunda, famílias indígenas que vivem na região da Volta Grande, um trecho de 100 quilômetros que sofrerá o impacto do desvio das águas, se transferem para a nova aldeia.
Sheila, que vive na Bacia do Xingu, será uma das novas moradoras da aldeia. Ontem, ela esteve em Brasília para acompanhar o leilão de Belo Monte.
- Estamos prontos para a guerra. Se o governo não quer nos ouvir por bem, vai nos ouvir por mal - disse a líder, comentando que até a Justiça está preferindo "agir na ilegalidade".
Além dos índios, pequenos agricultores chegaram a bloquear ontem trechos da Transamazônica, em protesto contra Belo Monte. O protesto contou com cerca de 150 pequenos agricultores.
A oposição à hidrelétrica de Belo Monte está unindo grupos indígenas distantes e muito diversos. Uma ideia em discussão é montar uma aldeia multiétnica no ponto onde se prevê a construção da barragem. Na região da Volta Grande, araras e caiapós temem que a usina acabe com os peixes e inviabilize o transporte pelo Xingu. Os caciques dizem que os índios não foram ouvidos e que se o governo insistir com Belo Monte, irão à guerra.
Ao tomar conhecimento do resultado do leilão, líderes indígenas do Parque Nacional do Xingu demonstraram irritação e prometeram antecipar as manifestações de protestos contra a hidrelétrica no Rio Xingu. A articulação indígena já começou em todo o Xingu.
- Na quinta-feira vocês terão notícias da Belo Monte aqui - disse o cacique kaiapó Megaron Txcurramãe.
O líder indígena está reunido desde a segunda-feira com cerca de 30 lideranças na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto-Jarina, nordeste de Mato Grosso, quase na divisa com o Pará.
(Por Geralda Doca, Gustavo Paul, Mônica Tavares e Liana Melo, O Globo, 20/04/2010)