Entramos num ano de eleições gerais e vemos o Projeto São Francisco, o novo discurso da velha transposição do rio São Francisco, pautar a propaganda do Governo Federal, antecipando, certamente, o principal discurso da campanha do sistema político que governa o País para o Nordeste.
A transposição do rio São Francisco é um tema bastante recorrente na política do estado do Rio Grande do Norte, sistematicamente explorado dos últimos 20 anos. Essa grande exposição, juntamente com a participação na condução governamental de influentes políticos do Estado, tais como os ministros Aluizio Alves e Fernando Bezerra, tornou o projeto praticamente uma unanimidade no discurso dos partidos tradicionais do Estado, incluindo os que fazem oposição ao Governo Lula, fato esse no mínimo estranho, principalmente pela pouca efetividade do projeto para com os recursos hídricos do RN.
O projeto deverá transportar as águas do rio São Francisco para os estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba, e na prática, não existe para o Rio Grande do Norte. O trecho que traria água diretamente para o estado do RN pela bacia do rio Apodi nem foi licitado, e nem por isso esse fato é denunciado pelos políticos da região. Além do mais, a pouca água do Eixo Norte da transposição destinada ao RN é inserta, atravessará 200 km da PB no leito natural do rio Piranhas ocupado em todas suas margens por propriedades privadas que captam águas do rio para diversos usos, passará por duas grandes barragens, Engenheiro Ávidos e São Gonçalo que abastece o maior perímetro público de irrigação da PB, até chegar à fronteira do RN com a PB, em Jardim de Piranhas, e seguindo daí, 70 km rio abaixo para a barragem Armando Ribeiro Gonçalves, a maior do RN com 2,4 bilhões de m³ e a segunda maior da região, que, ao longo da sua história, vem liberando pela sua comporta de fundo uma vazão mínima oito vezes maior do que a vazão destinada pelo projeto.
Inaugurada, a obra não será notada no RN, tendo em vista que a vazão acordada pelo projeto, em torno de 2 m³, equivale ao fluxo mínimo de água que, assegurado por acordo governamental, atualmente chega na fronteira do RN a partir do açude Coremas Mãe D’Água na PB – complexo de duas barragens interligadas por túnel com 1,4 bilhões de m³ que perenizou o rio Piranhas-Açu à mais de 40 anos, após a implantação de uma pequena central hidrelétrica que fornece energia à região do entorno da Barragem.
Dessa forma, na prática, a água que escoará no trecho do rio Piranhas no RN poderá muito bem continuar vindo, como antes, da barragem citada anteriormente, e nesse caso o RN iria pagar caro, cerca R$ 10 milhões de reais anuais acordado pelo Governo do Estado com o Governo Federal, pela água que seria utilizada nos Estados da Paraíba e do Ceará.
Por sorte que esse horizonte encontra-se distante, tendo em vista a grande complexidade das obras do ultimo trecho da transposição do rio são Francisco que se desenvolvem no estado do Ceará a partir da cidade de Jatí, próximo da fronteira do estado de Pernambuco e deverão através de um complexo integrado de grandes canais, aquedutos e 20 km de tuneis, de construção ainda não iniciada, ultrapassar os divisores d’água das bacias contíguas dos rios Jaguaribe (CE) e Piranhas (PB).
Algum tempo atrás, um técnico do Ceará que trabalhou no Projeto de Integração do rio São Francisco confidenciou-me: “para o Ceará basta à água chegar ao açude Atalho em Jati (CE)”, objetivo próximo de ser alcançado pelo ritmo acelerado das obras, “e a continuação do projeto é problema da PB e do RN” – a sabedoria popular diz que “onde há fumaça, há fogo”. Portanto, nesse caso, é bom não reforçar a quimera da transposição do rio São Francisco para o estado do Rio Grande do Norte.
(Por João Abner, EcoDebate, 20/04/2010)