A Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná – SEAB divulgou, no dia 6 de abril, os resultados do “Plano de Monitoramento do fluxo gênico entre lavoura de milho transgênico e não transgênico na região Oeste do Paraná”. O estudo possui rigor científico e comprova a contaminação de lavouras comuns pelo milho transgênico, mesmo dentro das regras estipuladas pela CTNBio. O estudo foi divulgado através de uma Nota Técnica, que reúne metodologia, resultados e conclusões dos dados produzidos durante o monitoramento das lavouras de milho no oeste do estado, durante a safrinha de 2009 (fevereiro a junho).
Os resultados apontaram que, mesmo se o agricultor seguir corretamente as orientações estabelecidas pela Resolução Normativa nº 04 editada pela CTNBio, o percentual de contaminação é muito alto. “Os dados confirmam que a Resolução Normativa nº 04 não é suficiente para assegurar a proteção da integridade do patrimônio genética prevista no Art. 225 da Constituição Federal de 1988”, afirma o documento técnico. Pela norma, o produtor de milho transgênico deve respeitar uma distância de 100 metros ou de 20 metros vazios mais 10 fileiras de milho das lavouras vizinhas.
Os dados revelam que, mesmo considerando-se uma distância maior do que a exigida pela RN 4, a contaminação foi maior do que 1% em todas as faixas de 25, 30, 60, 90 e 120m de distância do cultivo de milho transgênico. A análise do seqüenciamento do DNA aponta o percentual de grãos transgênicos em relação ao número total de grãos por espiga. De acordo com as regras nacionais de rotulagem, uma produção com um índice maior do que este deve ser rotulado como transgênico. Se este milho fosse destinado para mercado orgânico, onde o índice de transgenia deve ser 0%, a produção estaria comprometida, assim como a certificação do produtor. Para o mercado europeu, o produto também seria rechaçado, já que a certificação NON-GMO possui tolerância de 0,9%.
Dados da pesquisa aumentam insegurança quanto aos transgênicos – A pesquisa da Seab utilizou dois testes: o de fita (que detecta a produção da toxina Cry1ab geneticamente modificada na semente) e a análise laboratorial de PCR tempo real (real time polymerase chain reaction). O estudo comprovou a presença de genes transgênicos e a troca de genes entre as plantas em um índice que varia de 0,7% e 4,4% a 90 metros de distância e de até 1,3% a 120 metros de distância da lavoura transgênica. Plantas como o milho trocam pólen entre si, sendo que cada uma pode produzir de 4 a 20 milhões de grãos de pólen. Portanto, tomando-se a estimativa mais conservadora, espera-se 44.000 grãos de pólen de uma planta transgênica a uma distância de 200 m.
Os resultados da pesquisa foram observados com isolamento maior do que estabelecido pela Resolução Normativa n.4, o que leva a concluir que a contaminação acontece em níveis significativos. O estudo comprova também que a contaminação acontece com as lavouras ainda no campo, antes de serem colhidas. Com isso, fica descartada a possibilidade de separar as culturas no restante da cadeia produtiva.
“Estes resultados finais ratificam os dados preliminares apresentados anteriormente pela Seab e que a CTNbio se recusou a considerar. Está claro que a norma vigente desconsidera vários aspectos que influenciam sobremaneira a polinização cruzada, como topografia, ventos, umidade, polinizadores etc”, afirma a assessora jurídica da Terra de Direitos, Larissa Packer. Para ela, considerando os danos irreparáveis ao patrimônio genético e cultural que este equívoco da CTNBio pode causar, o Conselho Nacional de Biossegurança deveria instaurar um Grupo de Trabalho interministerial para “considerar uma norma de coexistência que preveja, de forma global, os demais passos para uma devida segregação da cadeia produtiva do milho. Só assim poderemos dizer que o Brasil realmente cumpre com os critérios de biossegurança, segundo o princípio da precaução”.
Direito dos Agricultores – Além de ferir o direito dos consumidores em saberem se estão ou não consumindo transgênicos, a contaminação genética no campo coloca em risco a existência de determinadas variedades de milho desenvolvidas há centenas anos pelos agricultores brasileiros. A troca de sementes entre agricultores é responsável pela conservação e melhoramento genético das variedades tradicionais e crioulas de milho no país. Por isso, a contaminação genética é vista como um risco irreparável a conservação da diversidade biológica cultivada e silvestre.
Ao longo dos anos, os agricultores e agricultoras vêm identificando, selecionando e melhorando as sementes silvestres, o que garantiu a produção de alimentos de forma mais sistemática e a constituição da agricultura tal qual conhecemos atualmente. “Além disso, este processo permite a conservação dos valores culturais e tradicionais através da conservação e uso de variedades locais e/ou tradicionais. “Dessa forma, têm um inestimável valor para a humanidade, constituindo a base de seu patrimônio genético e cultural, o que garante o direito humano à alimentação adequada dos povos”, afirma a advogada.
Por este motivo, a manutenção das práticas das comunidades agrícolas vem sendo constituída enquanto um direito, em nível internacional e também no Brasil. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Tratado sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA) da FAO reconhecem os camponeses e povos indígenas como sujeitos de inovação e melhoramento genético dos recursos biológicos. As técnicas de seleção, uso, manejo dos componentes da diversidade silvestre e a prática de reservar suas sementes para o replantio são reconhecidas internacionalmente como responsáveis pela conservação da diversidade biológica (Convenção sobre diversidade Biológica – CDB) e pela criação ou melhoramento genético da agrobiodiversidade, componente cultivado da diversidade biológica (Tratado sobre os Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura).
De acordo com a assessoria da Terra de Direitos, “a contaminação genética das variedades tradicionais adaptadas aos biomas brasileiros e que aqui adquiriram características únicas, podem gerar erosão genética e silenciamento destas características, por conta de uma contaminação constante das sementes, de safra a safra, geração a geração. A homogeneização da base genética dos cultivos on farm das variedades de milho pode fazer com que o Brasil deixe de ser Centro de Diversidade desta espécie. Representa grave violação à tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e afronta direitos constitucionalmente conquistados, como ao patrimônio genético e cultural.”
Saiba mais:
Sementes tradicionais são mais resistentes às mudanças climáticas – O Brasil é considerado Centro de Diversidade do Milho, já que variedades únicas foram adapatadas aos diferentes climas brasileiros. A substituição gradativa das variedades crioulas ou tradicionais pelas variedades “modernas”, introduzidas a partir da Revolução Verde e potencializadas pela biotecnologia, resultou em uma padronização das espécies cultivadas e do padrão alimentar dos povos. Calcula-se que somente 30 espécies correspondam hoje à 95 % da nutrição humana, e apenas sete delas – trigo, arroz, milho, batata, mandioca, batata-doce e cevada – correspondam à 75% deste total. Nos países Latino-Americanos e caribenhos, a FAO estima que cerca de 70% das sementes utilizadas pelos agricultores sejam provenientes de sistemas locais, conservados dentro das propriedades.
As sementes produzidas e melhoradas pelos próprios agricultores possuem ainda outra característica muito valiosa: a fácil adaptação aos ambientes e solos adversos. Pelo fato de serem melhoradas constantemente no próprio ambiente em que são plantadas, as variedades tradicionais se tornaram mais resistentes às rigorosas exigências do clima e também às pragas. Por outro lado, a produção moderna e laboratorial das sementes prioriza características que atendem a uma demanda de larga escala, como a alta produtividade e boa resposta a uso de fertilizantes químicos. “Embora a conservação ex-situ (fora do ambiente) em câmaras frias garanta a existência e sustentabilidade de determinadas variedades frente à catástrofes ambientais (como tsunamis), em tempos de crise ambiental e alimentar, este forma de conservação on farm, ou seja, nas unidades produtivas pelos agricultores se tornam cada vez mais relevantes”, analisa a assessora.
Isolamento entre lavouras não garante coexistência – Desde a liberação do milho transgênico, diversas organizações vêm apontando a iminência da contaminação e a necessidade de fiscalização do cumprimento da norma, assim como do monitoramento pós-liberação comercial nos campos brasileiros. Apesar do MAPA afirmar que realizou 551 ações em 12 Estados, os técnicos da Seab não encontraram postos de fiscalização e os agricultores não cumpriram a exigência da bordadura. O plano de monitoramento pós-liberação comercial, que deveria ser feito por 5 anos pelas empresas e fiscalizado por órgãos competentes, não vem sendo feito, o que inviabiliza o monitoramento dos efeitos adversos da liberação da tecnologia.
A contaminação também levanta a questão das inúmeras liberações de transgênicos realizadas pela CTNBio sem passar pelo devido processo administrativo de avaliação dos riscos ao meio ambiente e à saúde, estabelecido tardiamente pela CTNBio ao editar a RN 5 apenas em março de 2008. A comissão quer flexibilizar a RN 5 para diminuir as exigências de estudos dos impactos dos OGMs. Tal fato traz grande preocupação diante do pedido deliberação comercial do arroz geneticamente modificado, previsto para ocorrer neste ano.
No caso do milho transgênico, a exigência de uma norma que garantisse a existência de lavouras convencionais, orgânicas e agroecológicas, surgiu a partir da pressão exercida por organizações sociais envolvidas no debate. Alguns membros da CTNBio, como o Ministério do Meio Ambiente, também foram contrários a liberação do milho transgênico e apresentaram estudos que apontavam a contaminação já em 2007. No voto do MMA já estava o alerta de que “o pólen poderia contaminar campos vizinhos em taxas duas a três vezes maiores do que se pensava originalmente”. No ano passado, a própria Seab apontou a contaminação genética, mas a União Federal voltou a reafirmar que a RN4 preservaria as características genéticas de cada variedade.
“Esse tipo de erro quanto ao estabelecimento da norma, e suas consequências, poderia ser evitado se a CTNBio seguisse os preceitos do Protocolo de Cartagena e da Constituição Federal quanto ao estudo de impacto ambiental e exigisse estudos do OGM nos diversos biomas do meio receptor previamente à sua liberação comercial, o que estabeleceria parâmatros mais reais par liberação e medidas suficientes para a contenção da tecnologia”, afirma Packer.
Saiba mais detalhes da pesquisa – A pesquisa identificou primeiramente locais onde seria possível testar a eficácia das regras de isolamento estabelecidas pela CTNBio. Um dos critérios foi selecionar áreas onde existisse uma única fonte de pólen transgênico, ou seja, onde se pudesse identificar qual lavoura contaminaria os milhos convencionais e a que distâncias.
A partir disso, os técnicos usaram o teste da fita para identificar quais lavouras eram convencionais e quais eram transgênicas. Em todos os casos, a variedade de milho geneticamente modificada cultivada foi a Yieldgard-MON 810. Depois, os técnicos coletaram espigas, produzidas pelas lavouras convencionais expostas à contaminação nas distâncias de 10 a 25 metros (isolamento), 30, 60, 90 e 120 metros a partir da margem da fonte de pólen transgênico. Em cada uma das faixas, foram coletadas e georreferenciadas 10 espigas potencialmente contaminadas de forma aleatória. As espigas coletadas foram testadas pelos métodos da fita e de PCR tempo real.
O resultado quantificado no estudo foi no município de Juranda, onde a contaminação ultrapassou o máximo permitido pelo Decreto da Rotulagem. A porcentagem foi calculada a partir da quantidade de grãos contaminados por espiga coletada.
(Terra de Direitos, reproduzida pelo EcoDebate, 17/04/2010)