Uma solução e não um problema. É assim que a principal organização que pleiteia a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, o Forum Regional de Desenvolvimento Econômico e Sócio- Ambiental da Transamazônica e Xingu (Fort Xingu) avalia a construção da hidrelétrica que há anos divide opiniões no Pará, no Brasil e no mundo. Na equação feita pelo Fort Xingu, que congrega mais de 170 entidades na região, Belo Monte seria a solução não somente para a geração de energia no País como também para os problemas da região do Xingu e da Transamazônica.
O presidente do Fort Xingu, o empresário Vilmar Soares, diz que a usina está cercada de ‘cuidados ambientais’. “Este projeto será um paradigma para a construção de grandes usinas, pois será acompanhado de um amplo programa de desenvolvimento regional sustentável”, diz ele. “Os fatores positivos não estão sendo analisados de forma correta e existe uma tendência de se enxergar apenas aspectos negativos”.
A entidade avalia que somente estão sendo consideradas como vozes legítimas no debate as organizações que lutam contra o projeto, sendo que existem centenas de entidades que pensam de forma diferente e não são ouvidas. “Isso gera uma imagem distorcida da realidade regional”, afirma.
O presidente do Sindicato do Comércio de Altamira, Valdir Antonio Narzetti, argumenta que a sociedade foi ouvida nas audiências públicas. “Criase a ideia de que Belo Monte será uma tragédia, quando na verdade a grande tragédia hoje é a falta de empregos e perspectivas de desenvolvimento”.
O fato é que a discussão a respeito da construção da usina está envolta em polêmica: até porque as próprias análises técnicas a respeito do projeto não foram conclusivas ou elucidativas. É o que questiona, por exemplo, o Ministério Público Federal no Pará. “Não somos nem contra nem a favor de Belo Monte. O que queremos é que a lei seja cumprida. Se os estudos que foram feitos apontam irregularidades, queremos que essas irregularidades sejam sa nadas”, diz o procurador Ubiratan Cazzeta.
Um relatório chamado “Missão Xingu: Violações de Direitos Humanos e Impactos Socioambientais no licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”, lançado no dia 7 de abril, em Brasília, contraria o otimismo do Fort Xingu, por exemplo.
No documento, os relatores do Direto Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil), Marijane Lisboa e Guilherme Zagallo, apresentam o que verificaram em Altamira a respeito da usina. Em novembro de 2009, os relatores realizaram uma missão especial na Volta Grande do Xingu.
“Foram muitas as violações observadas, mas a mais grave delas é certamente a violação do direito constitucional que garante a realização de Oitivas [consultas] Indígenas. Os 24 grupos étnicos da Bacia do Xingu não foram ouvidos durante o licenciamento”, diz a relatora Marijane Lisboa.
Antes, em outubro de 2009, especialistas já questionavam em um painel, estudos e viabilidade da hidrelétrica de Belo Monte. Formado por 40 especialistas das mais diversas áreas, o documento identificou, primeiramente, diversas omissões e falhas nos estudos de impactos ambientais, que dificultam análises mais conclusivas. Apesar do pouco tempo que tiveram para a análise dos documentos, os especialistas concluíram que Belo Monte deve causar graves consequências para a região e seus habitantes e os ecossistemas da floresta amazônica. Mais ainda: que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ignorava a dimensão da maioria desses impactos.
Usina poderá ser a mais eficiente do país
Presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, em 2005, e membro da mesma comissão por mais de dez anos consecutivos, o ex-deputado Nicias Ribeiro, que é também engenheiro eletrônico, garante: a usina de Belo Monte, pelo seu arranjo de engenharia, é a melhor hidrelétrica do Brasil, talvez do mundo.
De acordo com Nicias Ribeiro, a usina de Belo Monte, entre todas já em funcionamento ou projetadas no Brasil até agora, é a que menor impacto causará sobre o meio ambiente, graças ao tamanho reduzido do seu lago artificial, cuja área, segundo ele, já é hoje inundada todos os anos, a cada inverno, com as naturais cheias do rio Xingu.
Segundo Nicias Ribeiro, um estudioso em tempo integral do setor elétrico, os próprios números endossam o seu ponto de vista, quando se comparam os dados de Belo Monte com outras três hidrelétricas brasileiras. A binacional Itaipu, a maior delas, com potência instalada de 12.480 MW, tem um reservatório de 1.470 quilômetros quadrados, o que lhe dá uma capacidade de geração de 8.489 kW por cada quilômetro inundado.
A hidrelétrica de Tucuruí, com potência instalada de 8.370 MW e reservatório de 2.900 quilômetros quadrados, tem capacidade de geração de 2.886 kW por quilômetro. No tocante ao arranjo de engenharia, a pior hidrelétrica brasileira é sem dúvida a de Balbina, cuja capacidade lhe permite gerar apenas 85,71 kW por cada quilômetro inundado (são 2.800 k2 de lago para uma potência instalada de apenas 240 MW).
Já a hidrelétrica de Belo Monte, para uma potência instalada de 11.340 MW, terá um lago de 513 quilômetros quadrados, o que lhe permitirá gerar, por cada quilômetro inundado, nada menos que 22.105 kW. Considerando a proporção entre potência, reservatório e capacidade de geração por quilômetro inundado, Belo Monte supera em 2,6 vezes a usina de Itaipu, em 7,6 vezes a de Tucuruí e em 260 vezes a hidrelétrica de Balbina (AM).
O ex-deputado chama ainda a atenção para o fato de que o reservatório de Belo Monte, reconhecidamente pequeno para obras do gênero, não inundará nenhuma cidade, vila ou povoado, como costuma acontecer na construção de grandes hidrelétricas. “Ou fazemos Belo Monte ou o Brasil ficará às escuras”, avalia.
Leilão acontecerá, mas já soma dez ações na Justiça
Desde 2001, o Ministério Público Federal já ingressou com onze ações contra a construção de Belo Monte. Dez ainda aguardam por uma decisão. Na última quarta-feira, o juiz federal de Altamira concordou com o MPF em uma das ações civis públicas que tratam das irregularidades no empreendimento e determinou a suspensão da licença prévia da hidrelétrica e o cancelamento do leilão, marcados para a próxima terça, 20. O juiz Antonio Carlos de Almeida Campelo concedeu medida liminar por ver “perigo de dano irreparável”, com a iminência da licitação.
“Resta provado, de forma inequívoca, que Belo Monte explorará potencial de energia hidráulica em áreas ocupadas por indígenas que serão diretamente afetadas pela construção e desenvolvimento do projeto”, disse o juiz na decisão.
Para o MPF, ao liberar a licença ambiental com tantas dúvidas e riscos, o governo resolveu apostar e deixar para apurar depois se o empreendimento é de fato viável.“Isso significa, de modo inconstitucional, prestar absoluteza ao princípio do ‘desenvolvimento econômico’ e ignorar vigência ao princípio constitucional do desenvolvimento sustentável”, afirma o procurador. A decisão do juiz de Altamira, proferida na quarta, foi derrubada dois dias depois pelo desembargador federal Jirair Aram Meguerian, presidente do TRF da 1ª Região.
Com isso, o leilão deve ser realizado, embora ações e recursos permaneçam sendo impetrados. Para atiçar o interesse de investidores, o governo federal acena com a possibilidade de um benefício fiscal de 75%. Esse benefício pode ser estendido até depois de 2013, o que seria um atrativo a mais para os consórcios interessados na obra, prevista para iniciar efetivamente em 2016.
(Diário do Pará, 17/04/2010)