Encontro internacional reforça impressão de trabalhadores de que a corporação brasileira conta com proteção oficial para cometer irregularidades
Um encontro realizado esta semana no Rio de Janeiro (RJ) inicia uma tentativa de reforçar a coesão entre trabalhadores e comunidades que se sentem afetados pelas atividades da mineradora Vale – nome atual da antiga Companhia Vale do Rio Doce. Para os participantes, ficou mais claro que o problema que os afeta localmente se repete nos outros dez países em que a corporação brasileira atua.
O 1º Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale reuniu representantes de treze nações e foi concluído com o lançamento de um dossiê que narra violações cometidas pela empresa ao redor do mundo. Na segunda-feira (12), primeiro dia de atividades, manifestantes foram ao prédio onde mora o presidente da companhia, Roger Agnelli, para protestar. O evento estendeu-se até quinta-feira (15), quando foi encerrado na Assembleia Legislativa fluminense. Procurada, a assessoria de imprensa da Vale informa que a empresa não se manifesta a respeito do assunto.
Os trabalhadores em Cajamarca, no Peru, denunciaram um dos casos mais complexos. Naquela localidade, funcionários do governo provincial afirmam ter encontrado grupos armados contratados pela Vale para intimidar organizações trabalhistas. Na Argentina e no Chile, projetos estão em vias de começar sob sinais de impactos ambientais e sociais que podem se mostrar irreversíveis. Nos dois casos, organizações denunciam a conivência de governos.
Karina Kato, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul, entende que esse é um dos traços que foram reforçados pelo encontro. O papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), enquanto principal financiador da corporação, deveria ser o de exigir contrapartidas, como o cumprimento da legislação ambiental e trabalhista, avaliam os movimentos.
Ela lamenta também a aliança com parte da imprensa e o fato de a Vale acompanhar boa parte das missões diplomáticas brasileiras. "A Vale faz grandes propagandas, gera muita renda e tem mesmo participação em alguns veículos de comunicação. Há, tanto do Estado brasileiro quando da imprensa, uma certa atuação em conjunto com a Vale", afirma Kato.
Um dos casos simbolicamente mais fortes é o dos trabalhadores da Vale no Canadá. Em Sudbury, os funcionários estão há nove meses em greve. A empresa brasileira comprou a Inco em 2006, passando a extrair níquel em uma cidade conhecida por sua militância a favor do respeito aos direitos trabalhistas.
O United Steelworkers, sindicato dos mineiros locais, tenta desde então saber os termos do acordo firmado entre a Vale e o governo canadense, mas a operação permanece sem esclarecimento, segundo a entidade. A situação ficou grave em 2009 quando, em meio à crise global, a corporação pediu que os funcionários abrissem mão de vários de seus direitos.
A decisão foi a favor da greve, mesmo sabendo que, com isso, os trabalhadores passariam a receber apenas uma verba vinda de um fundo de paralisação que garante, em média, 20% da remuneração regular. Jamie West, do Canadá, acusa a Vale de adotar uma estratégia antissindical agressiva.
Medidas
O encontro, que na avaliação dos participantes foi um primeiro passo para o reconhecimento dos problemas em comum, definiu algumas diretrizes. Daqui por diante, todos os anos será feito um dossiê nos moldes do elaborado durante este primeiro encontro, apontando as violações ambientais, sociais e trabalhistas cometidas pela empresa brasileira.
Jamie West considera que os problemas não são simplesmente para os trabalhadores da Vale, mas para toda a sociedade no entorno de seus empreendimentos. A intenção é manter uma articulação não apenas entre sindicatos, mas com movimentos sociais e organizações não-governamentais. O nascimento de uma proposta para mudar a atitude da Vale prevê levar os dossiês às assembleias de acionistas e, em última instância, noticiar as irregularidades a organismos internacionais.
"A gente sempre se opôs muito às transacionais de Estados Unidos e Europa. Atualmente, nos confrontamos com um 'monstro' que se diz verde e amarelo. Isso orienta a nossa responsabilidade. A sede da Vale é aqui, então a gente tem de trazer essas denúncias de fora para cá, porque é assim que a imagem da empresa é arranhada", avalia Karina Kato.
(Por João Peres, Rede Brasil Atual, 15/04/2010)