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2010-04-15 | Tatianaf

Alvo de inúmeras contestações e denúncias de irregularidades, a futura construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no rio Xingu (PA), tem representado uma queda de braço entre a sociedade civil, de um lado, e o governo federal e as empresas do setor energético, de outro.

A gestão Lula defende a necessidade da hidrelétrica para que se possa garantir a oferta de energia para a expansão da economia brasileira. Organizações sociais, populações ribeirinhas e povos indígenas denunciam as violações aos direitos humanos que o projeto carrega e os impactos sócio-ambientais que serão gerados pelo empreendimento.

No dia 8 de abril, a Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil), lançou um relatório sobre a UHE de Belo Monte, intitulado “Missão Xingu - Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”.

José Guilherme Zagallo, relator do Direito Humano ao Meio Ambiente, que participou da Missão Xingu, explica que foi feita uma análise de todos os documentos coletados, denúncias recebidas e questionamentos formulados a respeito da viabilidade de Belo Monte. A conclusão é de que já estão ocorrendo violações de direitos humanos, mesmo antes do início da obra.

Processo falho
No relatório, são feitas ao governo brasileiro dez recomendações, embasadas nas falhas verificadas no projeto da hidrelétrica. Entre elas, é pedido o cancelamento do leilão de Compra de Energia Elétrica Proveniente da Usina Hidrelétrica Belo Monte, marcado para o próximo dia 20, e o cancelamento da licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A Missão Xingu também denuncia que Belo Monte acarretará danos irreversíveis à biodiversidade, além do impacto sobre as populações da região. “Se o governo quer realmente construir [a hidrelétrica], o projeto precisaria ser completamente revisto do ponto de vista técnico”, analisa Zagallo.

Zagallo conta que o relatório foi entregue à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e está sendo encaminhado ao governo federal, aos ministérios do Meio Ambiente e de Direitos Humanos e aos órgãos envolvidos no projeto, entre eles, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ibama.

Violações
No documento, são apontadas falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), realizado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), a pedido da Eletronorte, em nome da holding Eletrobras, empresa responsável pelo empreendimento.

De acordo com Cecília Mello, assessora da relatoria e integrante da secretaria nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que também participou da Missão Xingu, Belo Monte chama a atenção por “uma série de violações que foram verificadas ao longo do processo de licenciamento”.

A licença-prévia para a construção da usina, expedida pelo Ibama em 1ºde fevereiro, possui 40 condicionantes para a realização da obra. Para Zagallo, “uma licença prévia concedida com 40 condicionantes significa que não está atestada a viabilidade ambiental do empreendimento”.

Já Cecília Mello explica que a resolução nº 06/1987 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina que o leilão não pode ser feito somente com a licença-prévia.

O mesmo ponto é levantado pelo o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), em uma ação ajuizada contra a construção da UHE de Belo Monte no dia 8 de abril. A instituição concluiu que o Ministério de Minas e Energia desrespeitou a resolução ao marcar o leilão sem a licença de instalação.

Insistência
O governo federal, no entanto, insiste na implantação da hidrelétrica. Belo Monte foi pensada ainda na década de 1970 pelos militares, como um dos grandes projetos de ocupação da Amazônia. Com o nome de usina Kararaô, o projeto foi retomado em 1989 e, logo após, cancelado devido à resistência dos povos indígenas.

Hoje, o empreendimento é a maior obra do Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC), do governo Lula. Além disso, Belo Monte será o terceiro maior empreendimento hidrelétrico do planeta, atrás apenas do projeto chinês de Três Gargantas e de Itaipu, localizada na fronteira de Brasil e Paraguai.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou, no dia 8, que a UHE de Belo Monte será construída, seja com a participação de empresas privadas ou não. A declaração foi uma resposta à desistência das construtoras Camargo Correa e Norberto Odebrecht de participarem da concorrência por Belo Monte, por considerarem o valor teto de R$ 83 o megawatt-hora insuficiente.

Autoritarismo
As empresas, que formariam um consórcio, eram tidas como certas na disputa contra o único consórcio confirmado até então, formado pela construtora Andrade Gutierrez, a mineradora Vale, a Votorantim e a Neoenergia (associação entre a Iberdrola, a Previ e o Banco do Brasil). O relator do Direito Humano ao Meio Ambiente considera que a declaração de Lula demonstra uma postura autoritária por parte do governo federal.

Para Rogério Rohn, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o governo age como um gerenciador do grande capital e dos interesses das empresas ligadas à construção de barragens. Segundo ele, a insistência pela construção de Belo Monte não é do Executivo federal, e sim “do grande capital, que faz a sua pressão para dentro do governo, através de vários mecanismos”.

Para garantir a concorrência comercial no leilão, o governo aumentou o prazo (para o dia 16) para a inscrição das empresas interessadas na energia de Belo Monte. Especula-se, ainda, a participação de fundos de pensão nos consórcios que disputarão a concorrência.

De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o governo iria recorrer aos fundos Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Funcef (da Caixa Econômica) e Petros (da Petrobrás), que seriam distribuídos de forma equilibrada entre os consórcios, para capitalizar e garantir poder de concorrência entre todos os grupos.

(Por Michelle Amaral, Brasil de Fato, 14/04/2010)


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