A ex-ministra do Meio Ambiente e pré-candidata à Presidência da República, senadora Marina Silva, foi a convidada principal do seminário sobre economia de baixo carbono, organizado pela revista CartaCapital em São Paulo, na segunda-feira (12/4). Os jornais de terça-feira registram o evento apenas para destacar opiniões da senadora sobre a disputa eleitoral.
Marina Silva disse entre outras coisas que, sem Lula na disputa, a campanha será um confronto de candidatos carrancudos – e a imprensa gostou da frase. A senadora disse muito mais do que isso, e os outros participantes também ofereceram farto material sobre a questão do desenvolvimento sustentável, que deveria estar no centro dos debates eleitorais. Mas os jornais parecem estar interessados apenas em frases de efeito.
Uma das informações oferecidas aos presentes dá conta do crescente interesse da imprensa brasileira pelo tema da preservação ambiental. A ex-ministra informou, por exemplo, que em 2003, quando ela assumiu o cargo, sua assessoria coletava nos jornais uma média de catorze notícias sobre a questão ambiental por dia. Hoje, a imprensa brasileira publica diariamente pelo menos uma centena de notas e reportagens sobre o assunto.
O detalhe, que nenhum dos participantes se animou a comentar, continua sendo a qualidade desse noticiário. Pela baixa repercussão que o evento produziu nos jornais do dia seguinte, pode-se concluir que a imprensa ainda não entendeu que o desafio ambiental é a grande notícia neste início do século 21.
Como um filme
Os jornais noticiam na terça-feira (13), por exemplo, que o diretor de cinema James Cameron se juntou aos protestos em Brasília contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Mas apenas dão espaço para a manifestação de uma celebridade, sem avançar uma linha no debate a respeito do projeto, que já tem mais de vinte anos.
A própria senadora Marina Silva, sobre cujas preocupações ambientais e conhecimento do tema não pairam dúvidas, afirmou que não tem opinião formada contra a construção de Belo Monte. Mas os jornais não publicaram sua declaração. Preferiram divulgar a opinião amadora de James Cameron, cujo interesse é basicamente divulgar os subprodutos do seu filme Avatar, como o videogame ambientado no planeta imaginário de Pandora.
Vista pelas páginas dos jornais, a realidade brasileira parece cada vez mais um filme de Hollywood.
Como alimentar preconceitos
As edições de terça-feira dos jornais dão destaque à manifestação do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcísio Bertone, que se declarou publicamente a favor de levar à justiça comum os casos consistentes de pedofilia que tenham como acusados sacerdotes católicos .
Mas uma declaração da autoridade religiosa, pela maneira como foi reproduzida pela imprensa brasileira, pode provocar alguma confusão entre pedofilia e homossexualidade, com risco de alimentar os preconceitos contra homossexuais.
O cardeal Bertone afirmou que "muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia". Essa declaração, mal digerida na leitura ligeira dos diários, pode alimentar o preconceito segundo o qual homossexuais são propensos a abusar de crianças.
Nos mesmos jornais, há citação de opiniões contrárias às do secretário de Estado do Vaticano, como a de teólogos que relacionam o celibato como uma das causas do problema da pedofilia envolvendo sacerdotes católicos.
Ao reproduzir frases opinativas, sem esclarecer essas declarações com interpretações mais densas de especialistas, os jornais podem estar contribuindo para reforçar tendências preconceituosas de seus leitores.
O fato de aparecer na mesma edição o noticiário sobre a prisão do pedreiro Admar de Jesus, suspeito de haver estuprado e assassinado seis jovens numa cidade de Goiás, pode ser um agravante na confusão que normalmente se forma em torno do tema.
Longe do debate
A questão da pedofilia, muito presente na imprensa nos últimos meses, ainda não foi devidamente discutida pelos jornais.
Tramita no Congresso um projeto de lei de autoria do senador Gérson Camata, do Espírito Santo, propondo a adoção da castração química nos casos de pedofilia e outros crimes sexuais. No entanto, há muita controvérsia entre juristas sobre a questão.
O fato de alguém ter praticado pedofilia uma vez, e sido condenado por isso, não assegura que voltaria a cometer o mesmo crime, alegam especialistas.
A hipótese de dar ao Estado o direito de punir preventivamente alguém pela suposição de que pode vir a cometer um crime assombra muitos especialistas. Mas a imprensa ainda nem chegou perto desse debate.
(Por Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa, 13/4/2010)