Sindicância começou a ouvir agricultores em processo para retomar terras negociadas ilegalmente em assentamento símbolo
Uma comissão de sindicância do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) começou a ouvir os agricultores em um processo para retomada de lotes na Fazenda Annoni. Símbolo da reforma agrária no Brasil, o assentamento é alvo de investigação por suspeita de venda e arrendamento ilegal de terras.
Na década de 80, 412 famílias foram assentadas em uma gleba de 9 mil hectares, à beira da estrada Passo Fundo-Ronda Alta (ERS-324). À época, o Incra fez uma parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O objetivo era transformar o assentamento em cartão-postal do movimento. A parceria acabou na última década com o esfacelamento político do MST, que resultou no envolvimento de ex-dirigentes na compra e venda de lotes.
A pedido do Ministério Público Federal, em Passo Fundo, técnicos do Incra iniciaram a investigação da Annoni em outubro. Percorreram o assentamento para realizar um diagnóstico da situação e montaram um documento de 200 páginas. A equipe identificou 85 lotes com irregularidades, que ocupam em torno de 1,3 mil hectares, com preço de mercado avaliado em R$ 1,5 milhão, considerando apenas a terra nua, sem benfeitorias.
Em 238 lotes da Annoni, os assentados têm o título de propriedade, mas não podem vender ou arrendar a terra até a liberação do governo federal. A retomada de um lote, porém, exige um procedimento jurídico. A sindicância é o penúltimo passo que os técnicos do Incra darão em busca da desocupação. O última etapa poderá ser o inquérito administrativo que servirá de base para que os advogados do Incra peçam na Justiça Federal a reintegração.
Na sindicância, serão ouvidas 110 pessoas – oito prestaram depoimento ontem. Os depoimentos estão sendo feitos na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em Sarandi, onde estão instalados os quatro funcionários do Incra integrantes da comissão. A sindicância começou a funcionar na tarde de segunda-feira e deverá estar concluída em 60 dias úteis.
– Estamos conduzindo a apuração dentro da lei. Todos têm a oportunidade de defender-se e, nós, a obrigação legal de proteger o patrimônio da União – disse o superintendente do Incra no Estado, Mozar Dietrich.
Cartão-postal do MST
- O assentamento da Fazenda Annoni ocupa uma gleba de 9 mil hectares na estrada entre Passo Fundo e Ronda Alta, perto de Pontão
- A área foi desapropriada pelo governo em 1972 para assentar 400 famílias de agricultores desalojados pela construção da barragem de Passo Real. A família Annoni recorreu à Justiça. Enquanto tramitava o caso na Justiça ocorreram inúmeras invasões de sem-terra na área
- Em 1985, 1,5 mil famílias coordenadas pelo MST invadiram a área. A invasão fez pressão para a solução jurídica da disputa entre a família Annoni e o governo federal
- A área foi dividida em 412 lotes e assentada parte das 1,5 mil famílias
AS IRREGULARIDADES
- Compra e venda de lotes
- Assentados que não vivem mais nas glebas
- Arrendamento a terceiros
(Por CARLOS WAGNER, Zero Hora, 14/04/2010)