Justiça nega mandado e restabelece efeitos de liminar que garante acompanhamento médico de contaminados e seus familiares
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região denegou o mandado de segurança impetrado pelas empresas Shell e Basf, responsável por suspender os efeitos de liminar concedida em favor dos ex-trabalhadores das multinacionais no início do ano passado. Com a decisão, volta a ser obrigatório o custeio, por parte das empresas, de despesas médicas para mais de 1 mil pessoas expostas a riscos de contaminação na unidade de fabricação de agrotóxicos, no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. A liminar se estende aos filhos de empregados, prestadores de serviços e trabalhadores autônomos que trabalharam no local.
Juntamente com a Basf, herdeira do passivo ambiental e trabalhista ao adquirir as operações da planta, a Shell tem o prazo de 30 dias para publicar um edital de convocação dos trabalhadores e descendentes abrangidos pela decisão na primeira página dos maiores jornais do país e nas três emissoras de TV de maior audiência.
A partir da publicação, os trabalhadores terão prazo de 90 dias para apresentarem documentos comprovando a condição de ex-empregados das empresas Shell, Cyanamid ou Basf, ou de terceirizados ou autônomos que trabalharam na unidade fabril de Paulínia.
Embora possam ser cadastrados trabalhadores de todo o país, o atendimento à saúde foi restringido às regiões de Campinas e São Paulo. A cobertura deve abranger consultas, exames e todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações.
O caso teve início no âmbito do Ministério Público do Trabalho (MPT) com a instauração de inquérito civil pela procuradora Márcia Cristina Kamei López Aliaga em 2001. O processo foi redistribuído em 2006 para a procuradora responsável pelo ajuizamento da Ação Civil Pública, Clarissa Ribeiro Schinestsck e, em 2007, voltou a ser conduzido pela procuradora Márcia Kamei.
Em janeiro de 2009, a juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa concedeu uma liminar exigindo o pagamento de convênio médico vitalício para os ex-trabalhadores e seus filhos, por haver provas de que a contaminação pode ter efeitos nocivos nas crianças nascidas após a exposição de seus pais aos contaminantes.
“No curso desses anos, todos nós, cidadãos, pagamos pelo tratamento que hoje é concedido tão-só pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos trabalhadores contaminados, com as limitações que lhe são inerentes, e que não lhe permitem a realização de exames e de tratamentos necessários à manutenção de um mínimo de bem-estar e dignidade. A conta é quitada pelos cofres públicos, por recursos de cidadãos que não usufruíram dos lucros exorbitantes gerados em favor das rés, durante décadas, inclusive com a fabricação desses produtos que já se sabia tóxicos”, escreveu a juíza.
Imediatamente após a decisão, as empresas entraram com um mandado de segurança, cuja liminar suspendeu os efeitos da tutela antecipada decretada pela juíza. Com a recusa do MS, a decisão proferida no ano passado volta a ter validade, no entanto, contendo alterações feitas pelo colegiado de desembargadores.
Caso descumpra a decisão, as empresas deverão pagar multa diária de R$ 100 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O MPT pede, ao final do processo, uma indenização de R$ 620 milhões por danos morais coletivos. De todos os trabalhadores que tentam provar que foram expostos a substâncias contaminantes, ao menos 100 possuem ações individuais em trâmite na Justiça.
HISTÓRICO – No final da década de 70 a Shell instalou uma indústria química nas adjacências do bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, ao vender os seus ativos para a multinacional Cyanamid, começou a ser discutida a contaminação ambiental produzida pela empresa na localidade, até que, por exigência da empresa compradora, a Shell contratou consultoria ambiental internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis freáticos de sua planta em Paulínia.
A Shell foi obrigada a realizar uma auto-denúncia da situação à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um Termo de Ajustamento de Conduta. No documento a empresa reconhece a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas – ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas.
Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras das chácaras do entorno e a passar a fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e drins) no solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os “drins” causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central.
A Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu integralmente as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve a exposição dos trabalhadores aos riscos de contaminação até 2002, ano em que os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) interditaram o local, de acordo com decisão tomada em audiência na sede do MPT. Apesar do recurso impetrado pela Basf, a interdição foi confirmada em decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo.
Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o risco adicional ao desenvolvimento de diversos tipos de doença.
Desde 2007 o MPT tenta responsabilizar na Justiça as empresas pelo acompanhamento médico privado dos seus ex-empregados, com o objetivo de garantir os direitos dos trabalhadores e suas famílias, e de desonerar o Sistema Único de Saúde.
(EcoDebate, 12/04/2010)