As águas de março não haviam ainda fechado o verão. Mais uma tragédia geotécnica causa dezenas de mortes, centenas de feridos e conturba radicalmente o cotidiano de milhões de cidadãos.
Dessa vez, a “bola cantada” foi a cidade do Rio de Janeiro e seus municípios vizinhos. A curtíssimo prazo, somente a remoção emergencial de moradores de áreas de alto risco poderá reduzir a possibilidade de mais desgraças. Vamos, no entanto, mirar nossas atenções para 2011. Se o queremos virtuosamente diferente, o trabalho deverá começar já.
Autoridades públicas brasileiras, surpreendam-nos! Tomem, desde já, ousada e corajosamente, as iniciativas que farão com que em 2011 tantos brasileiros não tenham que morrer de forma tão bruta e inútil e que tantas pessoas não tenham que ser indelevelmente traumatizadas pela dor da cruel perda de parentes e amigos.
Acreditem, isso é possível, o meio técnico brasileiro produziu e dispõe dos conhecimentos e instrumentos técnicos para tanto necessários. Parar de errar e corrigir o errado que já foi feito -essa é a única diretriz sensata.
Permitam-me a insolência de lhes propor neste espaço as medidas que reputo como indispensáveis para a bela surpresa, que certamente marcaria época na história da administração pública brasileira.
Devemos admitir definitivamente que as chuvas não são o vilão inexorável da ocorrência dos deslizamentos.
Estatisticamente sempre será possível, e não haverá ineditismo algum nisso, que de tempos em tempos tenhamos períodos chuvosos mais intensos. As cidades é que deverão estar preparadas para competentemente enfrentá-los na defesa da vida e da segurança de suas populações.
Também de forma definitiva temos que entender que o fator causal básico dos deslizamentos está, especialmente nas regiões de relevos mais acidentados, na total incompatibilidade entre a forma de ocupação e as características geológicas e geotécnicas desses terrenos. E isso está a acontecer tanto em empreendimentos habitacionais de baixa renda como em empreendimentos, muitas vezes turísticos, associados a estratos sociais de alta renda.
Enfim, o que se revela claramente aos olhos de todos é a total perda do controle técnico das expansões urbanas por parte das autoridades públicas responsáveis.
Como providência contínua e imediata, deve-se desocupar todas as áreas consideradas geotecnicamente de alto risco, para o que se faz indispensável a produção de cartas de risco, reassentando seus ocupantes em condições dignas e seguras em outras áreas. Se uma administração municipal alega não dispor dessas outras áreas seguras, coragem, é recurso público bem gasto, desapropriem áreas seguras por interesse social.
A começar pelos municípios com conhecido potencial de risco, o poder público precisa elaborar o instrumento indispensável para um eficaz planejamento do crescimento urbano, a carta geotécnica. Esse mapa do município mostrará as áreas que não poderão ser ocupadas de forma alguma e as áreas que poderão ser ocupadas desde que adotados os critérios técnicos adequados para tanto, explicitados na carta, que deverá ter força de lei.
É preciso, ainda, conceber e implantar um firme sistema de monitoramento e fiscalização, com participação ativa das comunidades, para que áreas definidas como impróprias não sejam ocupadas ou reocupadas.
Outra medida relevante é a implementação de programas habitacionais capazes de prover moradias seguras para a população de baixa renda, na mesma faixa orçamentária que hoje ela só encontra em áreas de risco.
Por fim, deve-se convocar a ABGE (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia) e a ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Fundações) para auxiliar a administração pública na concepção das medidas necessárias e na mobilização da melhor tecnologia brasileira necessária para sua implementação.
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e Meio Ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”.
(Artigo enviado pelo Autor para o EcoDebate, 11/04/2010)