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biocombustível de celulose
2010-04-12 | Tatianaf

O governo dos Estados Unidos reconheceu, no início de fevereiro, que a produção de etanol celulósico do país será irrisória em 2010. Apenas 24 milhões de litros deverão ser produzidos neste ano. Pelo andar da carruagem, vai ser muito difícil, para não dizer impossível, atingir a meta de 61 bilhões de litros em 2022, o que representaria mais de 40% da oferta de combustíveis renováveis no mercado dos Estados Unidos.

Nas políticas energéticas elaboradas pelo governo americano, o etanol celulósico, ou de segunda geração, sempre teve posição de destaque. A aposta na tecnologia foi - e continua sendo - uma marca da política energética americana. Eis o que diz a teoria: toda e qualquer matéria orgânica contém açúcar e, portanto, pode ser transformada em etanol combustível. E pode mesmo.

A questão é como fazê-lo. Centenas de milhões de dólares, de fundos de investimento privados e de programas oficiais, já foram despejados em empresas que pretendem transformar em realidade o sonho de obter combustível de grama, lascas de madeira e até mesmo do lixo. Mas, até agora, não surgiu uma alternativa economicamente viável e que possa ser aplicada na escala necessária. O etanol de celulose, uma das grandes promessas para reduzir a dependência do petróleo, por enquanto segue sendo apenas isso: uma promessa.

Os combustíveis renováveis, especialmente aqueles de nova geração, estão sujeitos a inúmeras variáveis, do preço do petróleo, que tem influência direta na atratividade econômica, aos avanços da ciência. Mas um fator especialmente sentido nas tentativas de tornar viável o etanol celulósico foi a crise financeira global do fim de 2008. Investidores fugiram de todo e qualquer tipo de risco, e isso não foi diferente com a segunda geração de biocombustíveis.

O montante de investimentos caiu de 538 milhões de dólares em 2008 para 180 milhões no ano passado, de acordo com um levantamento da Bloomberg New Energy Finance (NEF), consultoria que acompanha as movimentações da área de energias renováveis. A nascente indústria passou a depender ainda mais dos incentivos públicos para que seus negócios não perdessem musculatura financeira.

Mas os incentivos concedidos pelos departamentos de Energia e de Agricultura, ambos do governo federal americano, são condicionados à coparticipação de investidores privados. Ou seja: muitos dos projetos foram duramente afetados pela seca de capital. "Mesmo antes da crise, não estava fácil para as empresas conseguir recursos no mercado financeiro", diz Andrew Herndon, da New Energy Finance. "Agora, então, assegurar recursos para financiar os projetos tem sido um dos mais duros desafios para muitas companhias."

Nesse cenário, duas peças serão cruciais para impedir que o progresso da tecnologia seja interrompido em razão da falta de crédito e de investimentos de risco. Um deles é o interesse cada vez maior das grandes petrolíferas. A BP, empresa britânica de petróleo, tem muitos investimentos no setor. Um de seus mais importantes compromissos com a nova tecnologia são duas joint ventures com a Verenium, umas das empresas mais importantes da segunda geração de biocombustíveis nos Estados Unidos.

Uma delas visa desenvolver a tecnologia por meio da Galaxy Biofuels, que recebeu 90 milhões de dólares da BP. A outra parceira, a Bercipia Biofuels, atuará na comercialização do celulósico e tem como finalidade prioritária construir uma usina desse tipo de combustível na Flórida. Com previsão de início das obras ainda neste ano, a Verenium aguarda há meses pela aprovação de apoio financeiro do Departamento de Energia. A modalidade de apoio esperado pela Bercipia diz muito sobre o comprometimento do governo americano para tornar realidade o etanol celulósico: trata-se de um empréstimo garantido. Se, por alguma razão, a empresa não conseguir saldar as dívidas contraídas para financiar a instalação das usinas, o Departamento de Energia assumirá as obrigações com os credores.

A decisão empresarial de crescer por meio de aquisições muda hábitos e rotinas dos executivos encarregados de transformar planos em negócios. No caso do paulista Luis Felli, diretor de operações da ETH Bioenergia, a primeira mudança se deu no guarda-roupa. Ainda na fase de definição do alvo para uma oferta de compra, Felli ouviu de um produtor de açúcar e álcool um comentário brincalhão: “Vocês acham que vão plantar cana com essas gravatinhas, é?”. A partir daquele momento, depois de dez anos vestindo terno e gravata no trabalho, Felli praticamente os abandonou.

A mudança mais complicada no seu dia a dia, porém, viria depois do anúncio, em fevereiro, da aquisição de uma concorrente, a Brenco. Desde então, Felli, um engenheiro agrônomo de 44 anos nascido no interior de São Paulo – “em Piracicaba, centro do universo” –, passou a frequentar uma ponte aérea pouco convencional. Encarregado de integrar as cinco usinas de álcool da ETH às quatro que a Brenco está construindo, ele e sua força-tarefa de dez executivos voam semanalmente até a tríplice divisa entre o sul de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde estão concentradas as instalações da empresa comprada.

A primeira perna da viagem é tranquila: uma hora e meia de São Paulo a Goiânia, em avião de carreira. Depois, é preciso se valer de pequenos bimotores turboélice fretados para chegar aos municípios de Mineiros, Água Emendada, Alto Taquari e Costa Rica. No final da semana, repete-se o processo, no sentido inverso. Para recomeçar tudo de novo dois ou três dias depois. “Minha vida tem sido essa”, diz Felli.

(Por José Alberto Gonçalves, EXAME, 10/04/2010)


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