Para cumprir a chamada lei de lixo zero, que entrou em vigor em 2006, o governo da capital argentina deverá reverter rapidamente o aumento dos resíduos depositados nos aterros sanitários. Algo difícil de conseguir, segundo ambientalistas. Mais de cinco mil toneladas de lixo sólido produzidas em Buenos Aires são enterradas por dia em aterros localizados à sua volta, onde moradores da populosa região metropolitana denunciam que há mau cheiro, proliferação de doenças e contaminação da água.
Segundo a lei aprovada em 2005 e promulgada no ano seguinte, o volume de lixo despejado nesses lugares deveria diminuir 30% este ano, 50% em 2012 e 75% até 2017, em relação aos níveis de 2004. Em 2020, será proibido enterrar lixo. Mas os ambientalistas se dizem céticos. Para cumprir o que manda a lei este ano, o governo de Buenos Aires deveria reduzir para um milhão o total de 1,8 milhão de toneladas de lixo enterradas em 2009, e não há indícios dessa redução. Pelo contrário, a informação oficial indica que, anualmente, desde a sanção da lei, se despeja mais lixo. No ano passado, chegaram aos aterros 400 mil toneladas a mais do que em 2004.
O diretor-geral de limpeza da cidade, Alberto Termine, assegurou à IPS que este ano “haverá o cumprimento da lei mediante uma série de medidas”, como multas para quem gera resíduos em obras, usinas de reciclagem, campanhas de separação na origem e coleta diferenciada. Porém, admitiu que não pode executar essas alternativas “por falta de orçamento específico que a lei de lixo zero não definiu”. Por isso, as poucas expectativas dos ambientalistas sobre o cumprimento da lei.
“Este ano, será despejada a mesma quantidade que em 2009 porque não está sendo feito nada”, disse à IPS o diretor de campanhas do escritório argentino do não governamental Greenpeace, Juan Carlos Villalonga. Esta organização ambientalista havia comemorado a sanção da lei de Gestão Integral de Resíduos Sólidos Urbanos, ou lixo zero, que pretende reduzir progressivamente a quantidade de dejetos que vão para aterros, promovendo menor produção de lixo, reciclagem e recuperação.
A lei estabelece a separação na origem de resíduos secos e úmidos, apoio aos catadores informais (que recuperam 10% do lixo) e promoção de usinas de reciclagem e compostagem para lixo orgânico. Contudo, a separação na origem, que começou timidamente em 2006, foi interrompida em 2008, por decisão das autoridades que assumiram a prefeitura em dezembro de 2007, lideradas pelo empresário direitista Mauricio Macri. O Ceamse, empresa do governo da cidade e da província também denominada Buenos Aires, decide sobre a disposição final do lixo em três aterros.
Apenas o de José León Suárez, localidade metropolitana a oeste da capital, recebe 11.300 toneladas diárias de lixo de Buenos Aires e de outros municípios próximos. O mau cheiro atinge quilômetros à sua volta. Em conversa com a IPS, Célia Poo´s, do grupo Vizinhos Autoconvocados de Catán, explicou que em seu distrito, González Catán, há um aterro do Ceamse há 30 anos, que contamina as camadas de água e causa doenças. A justiça confirmou, em 2006, que a água está contaminada, mas não responsabilizou aquele órgão.
O aterro de González Catán, a 32 quilômetros de Buenos Aires, deveria ter sido fechado em 2005, mas continua recebendo lixo da cidade. “O problema é que não somos nada ao lado deles”, disse Poo´s. “Cada vez que protestamos ou bloqueamos a entrada de caminhões, somos reprimidos”, denunciou. Em seu Balanço 2009 de Gestão dos Recursos Sólidos Urbanos da Cidade de Buenos Aires, divulgado em março, o Greenpeace diz que 2008 e 2009 “foram os piores anos desde a sanção da lei”.
O Greenpeace questiona que, desde a posse de Macri como prefeito, as campanhas se centraram na limpeza da capital. Segundo esse critério, “a cidade pode ficar limpa mesmo enterrando dez mil toneladas de lixo por dia”, diz o documento. “Há dois anos, a capital começou a aproximar-se das metas de lixo zero, mas hoje em dia está cada vez mais longe”, acrescenta. A organização recordou que o lixo contém substâncias químicas como metais pesados, detergentes, solventes, plásticos ou polietileno que, ao se decomporem, liberam líquidos lixiviados que contaminam as águas subterrâneas. Além disso, o lixo orgânico libera metano, um dos gases causadores do efeito estufa, responsável pelo aquecimento global.
Tampouco se avançou em uma alternativa para o chamado lixo eletrônico, formado por computadores, telefones celulares, câmeras fotográficas e de vídeo, reprodutores de áudio, pilhas e baterias, todos bens de consumo produzidos com materiais tóxicos e persistentes. Até o momento, o governo de Buenos Aires apenas faz campanhas periódicas para que os moradores levem seus objetos em desuso para grandes contêineres a fim de serem desmontados e indica locais para onde levar pilhas e baterias.
(Por Marcela Valente, IPS, Envolverde, 8/4/2010)