Após desistência de Odebrecht e Camargo Corrêa, Planalto articula formação emergencial de novo consórcio para concorrer no leilão
Construtoras discordam de condições de preço e prazo para o projeto da usina; novo grupo poderá ser formado por Alupar, Bertin e OAS
Um forte obstáculo surgiu ontem à possibilidade de competição no leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, principal vitrine de obras da pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff.
O consórcio liderado pelas construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht desistiu de participar do leilão, previsto para o próximo dia 20, por não concordar com as condições de preço e prazo estipuladas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) -a desistência foi antecipada pela Folha Online na tarde de ontem.
Nota divulgada pelo consórcio informa: "Após análise detalhada do edital de licitação da concessão, assim como dos esclarecimentos posteriores fornecidos pela Aneel, as empresas não encontraram condições econômico-financeiras que permitissem sua participação na disputa".
Até ontem, com a saída das duas construtoras, restava apenas um único consórcio na disputa daquela que será a terceira maior hidrelétrica do mundo (depois de Três Gargantas, na China, e de Itaipu).
O consórcio remanescente é formado por Andrade Gutierrez, Neoenergia (associação entre a Iberdrola, a Previ e o Banco do Brasil) e dois autoprodutores de energia: a Vale e a Votorantim. A desistência dos grupos Odebrecht e Camargo Corrêa gerou uma correria ontem dentro do governo a fim de viabilizar, de qualquer forma, um segundo concorrente para o leilão do próximo dia 20.
Segundo a Folha apurou, uma alternativa era a de estimular a formação de um consórcio integrado pela Alupar, pela Bertin e pela construtora OAS. A Folha tentou ontem, sem sucesso, contato com a direção das três empresas.
O mercado tem dúvidas sobre a capacidade financeira desse eventual consórcio de disputar o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, estimado em R$ 19 bilhões.
Outra alternativa do governo para liderar um terceiro consórcio, o grupo Suez também não apresentou proposta para se associar à Eletrobras, embora não descarte futura participação, "apesar de ser um projeto muito grande e ainda sem garantias de viabilidade", disse à Folha o presidente da empresa no Brasil, Maurício Bahr.
A saída da Camargo e da Odebrecht deu-se no momento em que elas desistiram de aderir à convocação da Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, que seria sócia com até 49%.
A convocação da Eletronorte foi a forma de a holding Eletrobras dividir as subsidiárias para a composição com os grupos privados interessados no leilão.
Sem uma parceria com as estatais, é praticamente descartada a participação de consórcios 100% privados.
A rigor, Camargo e Odebrecht até poderiam vir a participar do leilão sem aderir à Eletronorte. Mas concluíram que, sem a estatal, não existe oxigênio financeiro para tanto.
O motivo final que levou as duas empreiteiras a desistir do negócio foi a negativa da Aneel, divulgada ontem, aos últimos pleitos feitos para melhorar as condições do edital.
O primeiro pleito dizia respeito à correção monetária, de dezembro de 2008 até a data do leilão, do preço-teto previsto no edital, de R$ 83,00 por megawatt-hora.
O outro pedido era criar mecanismo para reduzir o risco da diferença de preço de energia entre o mercado do Norte, onde a usina será instalada, e o do Sudeste, onde há mais demanda. Sem esse mecanismo, o risco financeiro do negócio se ampliava sensivelmente, dizem as construtoras.
A existência de apenas um grupo interessado torna extremamente comprometido o ambiente de forte competição que a ex-ministra Dilma Rousseff desejava dar ao processo licitatório de Belo Monte.
No "mundo ideal" de Dilma, ao menos três consórcios entrariam na disputa pelo projeto, o que forçaria para baixo o preço-teto da energia negociada e também sinalizaria um benefício ao consumidor em pleno ano eleitoral.
(Por MARCIO AITH e AGNALDO BRITO, Folha de S. Paulo, 08/04/2010)