Após quase 20 anos em discussão, a Câmara Federal finalmente aprovou o texto da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes terão de investir para colocar no mercado artigos recicláveis e que gerem a menor quantidade possível de resíduos sólidos. Isso porque foi aprovado o Projeto de Lei 203/91, que implementa a Política Nacional de Resíduos Sólidos e impõe obrigações aos empresários, aos governos e aos cidadãos no gerenciamento do lixo seco. A matéria retornará ao Senado para uma nova votação. O texto aprovado tomou como base a redação preparada por um grupo de trabalho suprapartidário coordenado pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) e prioriza a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
As ações serão acompanhadas por um tratamento tributário diferenciado através de linhas de crédito. Também entrará em prática a responsabilidade compartilhada, incentivando o empresário a adotar a gestão ambiental e a destacá-la no balanço. Essas serão algumas das incumbências do contador para auxiliar as companhias a se encaixarem nas diretrizes da nova política. Quem aponta é José Valverde Machado Filho, secretário parlamentar do deputado Jardim e responsável-técnico pela redação do novo texto da lei.
O plano nacional de resíduos será elaborado sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, com vigência indeterminada e horizonte de 20 anos, com atualização a cada quatro anos. Entre os itens que devem fazer parte dele, estão metas de reciclagem e aproveitamento energético, de eliminação e recuperação de lixões e normas e condições técnicas para o acesso a recursos da União.
Deverão ser colocadas em prática medidas para receber embalagens e produtos após o uso pelo consumidor no caso de agrotóxicos (incluindo resíduos e embalagens); pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes (resíduos e embalagens); lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos e seus componentes. O processo de recolhimento desses materiais, sua desmontagem (se for o caso), reciclagem e destinação ambientalmente correta é conhecido como logística reversa.
Especialista na área ambiental, Valverde acredita que caberá ao contador mensurar quanto vai custar para as empresas a implantação da gestão ambiental. “A sustentabilidade veio para ficar. Vai pagar um alto preço o empresário que desconsiderar isso”. Segundo ele, os empecilhos serão muitos, já que se tem pouca concepção dos instrumentos econômicos que auxiliarão na política. Outro desafio do setor empresarial será construir acordos setoriais.
O substitutivo prevê que os governos poderão criar linhas de financiamento específicas para atender, prioritariamente, às iniciativas de implantação de coleta seletiva e logística reversa, de descontaminação e de pesquisas de tecnologia limpa, entre outras. Valverde entende que, com isso, o governo descaracterizou e suprimiu boa parte das propostas no que diz respeito ao capítulo dos instrumentos econômicos, que contemplava também a isenção de impostos em determinados casos. Para ele, o empresário tem que ter sua contrapartida, mas o poder público precisa ser parceiro nessa iniciativa e estender algumas medidas. “O objetivo é tratar o resíduo sólido de forma diferenciada, não como lixo, mas como um bem financeiro”, afirma.
Novas regras terão reflexos em toda a cadeia produtiva
A gestão de resíduos sólidos vai mexer em toda a estrutura das empresas, e com isso, muda a atuação do contador também. “Os resíduos passarão a fazer parte do processo empresarial, afetando fortemente as finanças”, afirmou Cláudio Frankenberg, ex-presidente e atual integrante da Câmara Técnica Permanente de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul. Engenheiro químico e professor universitário, Frankenberg esteve presente na última reunião da entidade, que ocorreu no dia 30 de março. Na oportunidade, os membros conversaram sobre como a política nacional irá refletir na esfera local.
Como destaques, Frankenberg cita a logística reversa e o ciclo de vida do produto, itens que antes não apareciam nas resoluções. “Isso vai fazer com que surjam atores na cadeia produtiva, como os responsáveis pelo transporte, embalagens, matéria-prima, controle, e tudo isso irá movimentar a economia”, afirma.
Segundo ele, atualmente a lei está em fase de discussão, mas há indícios de que seja aprovada até maio, por causa das eleições. “Estamos debatendo o assunto há quase 20 anos, então agora a pressão é muito forte para que se aprove logo”, afirma, complementando que, no Senado, o texto não pode mais ser alterado. “O que pode é excluir ou vetar algum item, mas não pode acrescentar mais nada”, esclarece.
A política reúne uma série de leis e ações já praticadas em alguns setores, mas que ainda não eram obrigatórias. O desafio a partir de agora será a maneira como cada órgão ambiental vai agregar e trabalhar isso agora em sua esfera.
Créditos presumidos de IPI incentivam compras feitas de galpões de catadores
A Política Nacional de Resíduos Sólidos aponta diretrizes gerais, mas de forma específica, a MP 476 define os caminhos nessa direção, falando sobre créditos presumidos do IPI a partir de compras feitas de cooperativas de catadores. “Para cada tonelada que você compra de materiais reciclados com emissão de nota por cooperativas de catadores, pode abater no imposto de renda”, afirma o diretor-executivo do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), André Vilhena.
Segundo ele, a medida foi editada em 23 de dezembro em 2009 e agora está em discussão para votação. Entre os interessados na medida estão a indústria de reciclagem e as cooperativas.
Se por um lado as vantagens para quem estiver disposto a cumprir a lei são evidenciadas principalmente no ponto de vista das embalagens pós-consumo (as empresas farão pontos de entrega voluntária) e a logística reversa que está sendo absorvida, por outro, as principais dificuldades para se adequar serão as enormes dimensões do País e a baixa participação do consumidor.
Vilhena ressalta que o papel do Cempre nas discussões do assunto é dar suporte com informações técnicas para que a política seja adequada às realidades do Brasil e para que a lei tenha efeito prático no País. “Queremos construir uma lei que permita que o País avance respeitando as suas características regionais e particulares”, afirma.
Redução de tributos tende a estimular adoção de novas práticas
As vantagens para quem estiver disposto a cumprir a lei são inúmeras. A começar pela isenção dos tributos e a distinção por meio de certificados para marcar as empresas ambientalmente corretas. “São incentivos importantes para motivar as boas práticas empresariais, já que a aplicação de uma lei vai muito além de sua publicação e precisa estar acompanhada de mecanismos de divulgação”, defende Andressa Brandalise, coordenadora-técnica da Proamb, empresa de consultoria ambiental da Serra gaúcha.
É o caso da incorporação de conceitos modernos de gestão, ainda pouco falados no Brasil, como logística reversa e ciclo de vida do produto. A logística reversa obriga o fabricante a recolher seus resíduos. Um exemplo é o caso das lâmpadas fluorescentes. “O fabricante terá que receber de volta e reaproveitar o material”, informa.
Outro fator positivo é que a política envolve desde o empresário até o consumidor final, dividindo responsabilidades. Com isso, fará as indústrias concederem os produtos pensando em adotar matérias-primas recicláveis e técnicas de produção mais limpa dentro de seu processo.
A lei também trará ganhos ambientais (evitando formação de passivos), econômicos (com a criação de empreendimentos que façam reciclagem) e sociais (com a geração de empregos). A questão mais difícil, no entanto, será buscar parcerias, pela necessidade de fornecedores que processem a matéria e a tornem reutilizável. Aí surge outro ponto crítico: o encaminhamento de produtos eletroeletrônicos provenientes da pirataria. “Este é mais um desafio que a política ainda não dará conta”, enfatiza Andressa.
Embora boa parte de consumidores e empresários não domine as novidades, o tema avança e ganha força. Ações como selos de qualidade, distinções para empresas que tiverem destaque na gestão de seus resíduos sólidos, são consideradas fundamentais.
Idec comemora aprovação na Câmara
Acompanhando a saga dos resíduos há muitos anos, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) vem lutando para que o Projeto de Lei se transforme não apenas em uma norma que determina as diretrizes para a gestão dos resíduos sólidos, mas um instrumento na mudança dos padrões de produção e consumo.
“A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos poderá ativar uma grande cadeia de negócios sustentáveis e dinamizar a economia, trazendo uma série de desafios e oportunidades”, alerta a pesquisadora do instituto Adriana Sharoux.
Segundo ela, muitas empresas não têm conhecimento de como podem se beneficiar dessas medidas, ou como podem obter incentivos fiscais para práticas mais sustentáveis. O problema da desinformação em relação às práticas verdes provém, muitas vezes, da falta de fiscalização dos setores responsáveis. “Há muitos aspectos regulamentados em lei que não têm adesão grande devido à falta de fiscalização”, complementa.
Um exemplo é a questão do descarte das pilhas. Segundo determina a regra, as empresas deveriam recolher as pilhas pela existência de componentes tóxicos, como o cádmio e o níquel. Uma estratégia do setor foi adotar fórmulas desprovidas destes materiais, de modo que essas pilhas possam ser descartadas no lixo doméstico, considerando que estas seriam encaminhadas para aterros sanitários. “Seria bom se elas mandassem para aterros, o problema é que aqui no Brasil não existem aterros em 100% das cidades”, diz Adriana. A contaminação das pilhas pode trazer uma série de problemas ambientais, como a contaminação de lençóis freáticos e mananciais de água doce.
(Por Lara Ely, JC-RS, 07/04/2010)