Procurador investigará se houve irregularidade em convênio que previa a construção de residências em Santana do Livramento
Em meio a 400 páginas de documentos, depoimentos e atas de reuniões, o procurador da República Cícero Augusto Pujol Corrêa apura de quem é a responsabilidade por deixar 67 casas financiadas pelo governo federal virarem escombros no Assentamento Conquista do Cerro da Fronteira, uma gleba de 2,4 mil hectares no interior de Santana do Livramento, na fronteira com Uruguai.
A construção das casas foi financiada por uma parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Cooperativa de Crédito Rural Horizontes Novos de Novo Sarandi Ltda (Crehnor Sarandi).
O custo previsto para cada casa era de R$ 13 mil – R$ 7 mil foram pagos pelo Incra, e os outros R$ 6 mil, pela Crehnor Sarandi. O custo total das casas seria de R$ 871 mil (R$ 469 mil do Incra e R$ 402 da cooperativa). As obras se iniciaram em março de 2008, com prazo de conclusão de seis meses. No final daquele ano, os agricultores foram informados que suas casas não seriam finalizadas. No ano passado, ocorreram dezenas de reuniões entre os assentados, o Incra e a Crehnor. Todas sem resultado.
– Cansamos da conversa, resolvemos agir – explica a agricultora Terezinha da Silva Saragoso.
Ela e o marido, Alberto Saragoso, uniram-se a vizinhos e montaram uma espécie de dossiê sobre o caso e entregaram para o Incra, em Porto Alegre. Aos relatos repassados pelos assentados, os técnicos do instituto juntaram avaliações da construção e entregaram ao procurador Corrêa. Zero Hora teve acesso a parte do dossiê. Nele, os técnicos do Incra afirmam que, pelo acordo, o instituto pagaria pelo início das obras, a construção dos pilares e das paredes. Para tanto, repassou R$ 402 mil do total de R$ 469 mil que deveriam ser investidos. O Incra suspendeu os repasses quando recebeu o dossiê dos assentados e enviou toda a documentação para o Ministério Público Federal (MPF), em Livramento.
– Temos os documentos que mostram que a nossa parte no investimento foi usada na construção. Toda a documentação está no MPF – disse o superintendente do Incra no Rio Grande do Sul, Mozar Dietrich.
Término das obras custaria R$ 400 mil
A Crehnor diz que investiu R$ 362 mil do total de R$ 402 mil previstos. O presidente da cooperativa, Valdemar Alves de Oliveira, o Nego, afirma que as obras não foram terminadas porque as empresas contratadas para construir faliram.
As empresas agenciadas para tocar as obras foram a Cooperativa Agrícola Diversificada Xingu Ltda (Coadil) e a Construtora e Transportadora HM Ltda. Ambas com sede em Novo Xingu, no norte do Estado, a 510 quilômetros da obra.
Oliveira responsabiliza pela situação a Cooperativa Central dos Assentados do Rio Grande do Sul (Cooceargs), ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que teria a tarefa de fiscalizar as obras. O desentendimento entre Oliveira e a Cooceargs foi o episódio que oficializou o rompimento político entre o MST e a Crehnor.
O procurador Corrêa não fala sobre o assunto. Segundo assessoria de comunicação da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, no ano passado foi aberto um procedimento administrativo para apurar o que ocorreu. Se a apuração apontar irregularidades no uso do dinheiro público, a investigação se transformará em processo. Também está sob a mesa do procurador um estudo da Cooceargs em que é estimado que seriam necessários R$ 400 mil para terminar as obras das 67 casas.
(Por Carlos Wagner, Zero Hora, 06/04/2010)