Um alerta, enviado por meio de mensagem eletrônica cerca de meia hora antes, havia avisado que tudo iria explodir no palácio do governador local do Estado do Delta, no sul petrolífero da Nigéria. Na hora marcada, uma, e depois duas explosões. Feridos, pânico.
Em Warri, dia 15 de março, o Movimento de Emancipação do Delta do Níger (MEND) atingiu o governo da Nigéria. Uma conferência de acompanhamento do acordo de anistia de junho de 2009, no delta, parado desde a doença do presidente Umaru Yar’Adua, deveria acontecer no gabinete do governador.
O chefe do Estado desapareceu em novembro, mas seu estado de saúde, segundo fonte diplomática, o havia tornado ausente “há meses”. Ora, Umaru Yar’Adua havia tentado pôr um fim à “guerra do petróleo”, desencadeada em 2008 pelos grupos armados do delta a fim de parar com cinquenta anos de exploração do óleo bruto sem benefícios para as comunidades locais. Durante os nove primeiros meses desse ano, a Nigéria havia perdido US$ 20 bilhões (R$36 bilhões) em receitas. Foram centenas de mortos no delta.
Os rebeldes estavam ganhando a “guerra econômica”. Nessas condições, o dispositivo da Força Armada Conjunta (JTF) havia sido reforçado, sendo que uma ofensiva foi realizada em maio de 2009 contra os acampamentos dos milicianos, ao passo que um processo de anistia era iniciado, levando a um cessar-fogo no verão de 2009.
Foi então que se deteriorou a saúde do presidente Yar’Adua, o “presidente fantasma”. Uma batalha se iniciou pelo poder, paralisando o processo de paz, levando o MEND a declarar o fim do cessar-fogo em janeiro. No início de março, o vice-presidente, Goodluck Jonathan, se instalou na liderança do Estado. E assim a Nigéria se viu governada por um Ijaw, o quarto maior grupo étnico do país, e o maior do delta.
Jamais isso havia acontecido em toda a história moderna e atormentada do país. Um homem da região poderia conseguir a paz? Nada garantia isso. “Ninguém acreditava nesse programa (de anistia)”, explica, dando de ombros, um observador, membro de uma organização internacional presente na Nigéria. “Ele foi aceito porque muito dinheiro mudou de mãos. As companhias petroleiras pagavam. Nesse caso, foi o governo que pagou”.
Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura (1986), acredita que “o processo foi uma iniciativa corajosa do presidente Yar’Adua, mas foi mal organizada, mal pensada”.
O orçamento previsto para a anistia foi estabelecido em 65 bilhões de nairas (R$771 milhões), e 20 mil rebeldes se inscreveram para serem convocados. Várias fontes falam de 6 mil a 8 mil milicianos, uma avaliação que levou em conta o uso pelos grupos armados da mão-de-obra dos “cults”, gangues locais, como os Icelanders ou os Outlaws.
As somas gastas levaram a uma trégua. Ela permitiu que as companhias petroleiras retomassem parte de suas atividades. A produção subiu para cerca de 2 milhões de barris por dia, sem garantir a pacificação do delta.
Chris Newsom, da rede Stakeholder Democracy Network, presente na região há dez anos, está desiludido: “O dinheiro compra a paz... somente até amanhã. O que a lei de anistia propõe aos milicianos? “Fique em casa assim que encostar no dinheiro”. É instituir uma extorsão da paz. E o delta ainda está em um estado lamentável”.
Grande parte do volume financeiro do processo de paz, cuja gestão é cercada da mais completa opacidade, foi captada pelos principais comandantes, segundo mais de uma fonte. Saídos das baias do delta, eis que estão atualmente instalados nas cidades, desenvolvendo, segundo um conhecedor da questão, uma “casta do Hummer”, inspirados no nome do caro veículo 4 x 4 americano. Paralelamente, uma onda de pequenos chefes, excluídos da partilha, organizam ações para garantir sua existência. “Quanto mais barulho eles fazem em campo, mais serão ouvidos na mesa de negociações”, analisa Chris Newsom.
Entretanto, Goodluck Jonathan busca por soluções para sua região de origem. Para Kathryn Nwajiaku, professora de Oxford e especialista no delta, ele é “o homem do momento”, capaz de conduzir negociações decisivas a respeito do delta. “Um Ijaw no comando do país é algo imenso do ponto de vista simbólico. Os rebeldes que desejarem poderão tratar com ele muito mais do que com qualquer outra autoridade nigeriana”, diz.
As autoridades do delta, membros da sociedade civil, hoje são consultadas sobre esse assunto. É o caso de Edwin Clark, de Ankio Briggs ou de Oronto Douglas, personalidades influentes no delta. Mas uma parte desses dirigentes de grupos armados se recusa a pôr um fim à violência somente com base no programa de anistia.
Henry Okah, líder do MEND libertado dentro do processo de paz, não vê nenhum futuro nas negociações em curso. Em entrevista pelo telefone, ele garantiu: “Milhares de rebeldes esperam nas baias. Os verdadeiros. Não os canalhas que se inscreveram no programa de anistia para receber 65 mil nairas (R$ 771) por mês. O combate recomeçará, e será duro, muito duro. Nós queremos que os petroleiros vão embora, lutamos pela libertação de nossa região, não por um punhado de dólares”.
Os últimos ataques foram conduzidos por um outro partido, o Joint Revolutionary Council (JRC) que prega “a divisão da Nigéria”, ou em outras palavras, a secessão. O JRC lançou vários ataques recentes contra instalações petroleiras. Cynthia White (pseudônimo), a porta-voz do JRC, nos declarou por e-mail: “Não esperamos nada do novo governo. Esse homem (Goodluck Jonathan) só tem alguns meses em seu cargo, e depois ele voltará para seu vilarejo”.
(Por Jean-Philippe Rémy, Le Monde / UOL, 01/04/2010)
Tradução: Lana Lim