Os desmandos da Jurong, no norte do Estado, já começaram a gerar prejuízos ao meio ambiente no norte do Estado. Desta vez, a empresa foi multada por manejar animais da fauna local sem autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Segundo o órgão, não é possível mensurar o impacto ambiental gerado, já que a empresa, mesmo diante das provas, continua negando o ato.
O crime, segundo o Ibama, foi comprovado por meio de fotos contidas no próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Jurong, disponível na sede do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). O EIA foi elaborado pela CTA Serviços de Engenharia em Meio Ambiente Ltda. As empresas foram multadas em R$ 100 mil cada.
O valor foi calculado de acordo com o número estimado de animais manejados. “As fotos mostram principalmente o manejo de aves. Eles colocaram inclusive as mãos nos animais. As fotos mostram que eles seguram os animais, não dá para calcular qual será o impacto disso sem saber quantos animais passaram por isso”, informou a assessoria de imprensa do órgão.
Segundo o laudo técnico que avaliou o EIA do estaleiro da Jurong, o estudo não apresenta área de translocação, ou deslocamento natural das espécies de fauna. A falta desta medida expõe animais como répteis e anfíbios (com pouca capacidade de deslocamento em áreas ocupadas pelo homem) ao risco de morte. O estudo omite ainda as 309 espécies de aves que existem na região, registrando apenas 91 espécies, o que evidencia uma amostragem insuficiente.
Neste contexto, o valor da multa é irrisório. A empresa, alertam os ambientalistas, já demonstrou através do documento a falta de respeito à legislação ambiental, mostrando ser premeditada a ação de manejar animais sem a devida autorização.
O manejo de fauna, sem autorização do Ibama, é mais uma etapa do modelo de implantação da Jurong. Entre as reclamações da população em relação à Jurong está a doação de uma área pública pela prefeitura – no valor estimado de R$ 25 milhões – para instalação do estaleiro.
Apesar disso, a empresa tem a simpatia do órgão ambiental estadual. Mesmo diante das falhas no EIA, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) encurtou o prazo de análise do estudo de um ano para apenas dois meses. E, para conceder sua Licença Prévia (LP), o órgão também passou por cima do laudo técnico de seus profissionais - de caráter conclusivo - e aprovou a emissão da Licença Prévia (LP) para o estaleiro.
Na ocasião, a diretoria do órgão justificou o atropelo alegando imaturidade de seus técnicos e, na tentativa de remediar a situação, criou a condicionante obrigando a empresa a criar Unidades de Conservação (propostas à região há mais de dez anos e renegadas pelo poder público). Mas, segundo as entidades envolvidas há mais de dez anos na luta para a criação destas unidades, a criação das áreas servirá aos interesses da empresa.
Isso porque o debate para a criação das UCs excluiu as principais entidades envolvidas na luta para a preservação das áreas marinhas no norte do Estado. Foram excluídas do debate as associações dos Amigos do Rio Piraque-Açu, (Amip); Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema); de Moradores da Praia dos Padres, Mar Azul, Balsa, Coqueiral e Padre Bauher; Indígena Tupinikim e Guarani (AITG); e Estação Biológica Marinha Augusto Ruschi.
Segundo a conclusão do laudo técnico dos profissionais do Iema, para a efetiva preservação daquela região não é suficiente apenas o indeferimento deste licenciamento, sendo de fundamental importância a sua proteção por meio da criação de uma Unidade de Conservação de proteção integral, já que a área, como o próprio EIA salienta, deverá sofrer grande pressão para implantação de empreendimentos imobiliários.
A LP da Jurong foi concedida no dia 25 de fevereiro deste ano por votação do Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema – III), contados 15 votos a 1. Em votação foram colocados o laudo técnico contra o empreendimento na localização proposta e uma carta da diretoria do Iema, aprovando a emissão da licença.
Parecer técnico
Os técnicos do Iema, com base na legislação ambiental e nos impactos que serão gerados pela Jurong no norte do Estado, se posicionaram contra a emissão da LP para a implantação do empreendimento no local proposto.
Para isso, consideraram a prioridade de conservação das áreas costeiras, conforme previsto no Art. 3o da Lei N° 7.661/88, que prevê a proteção de bens como: recifes; bancos de algas/ sistemas estuarinos; enseadas; restingas; manguezais, entre outras características reconhecidas na região.
E, ainda, o reconhecimento por estudos e análises feitas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) da extrema importância da região para a conservação do meio ambiente; a pesca artesanal da região como meio de subsistência da comunidade; as oportunidades de valorização do uso turístico da região, associado a produtos e serviços decorrentes ou motivadas pela criação de Unidades de Conservação (UCs) propostas há anos para a região, entre outros.
No trecho que vai do Porto de Tubarão ao Portocel, num levantamento preliminar, foram identificados somente cinco fragmentos de vegetação sobre restinga com influência da formação de barreiras. Nesse levantamento foi constatado que a maior área contínua de restinga ainda conservada é a área que será destruída pelo empreendimento da Jurong, com cerca de 3 km de extensão.
A área pleiteada pelo empreendimento é a única do Espírito Santo em que ocorre uma vegetação de restinga com aquelas características fitofisionômicas e tamanho estado de conservação, associada a uma parte marinha igualmente relevante e conservada.
Uma vez destruída, aponta o laudo, o impacto é praticamente irreversível. Isso porque a taxa de mortalidade de mudas para a recuperação é de 40%. “A baixa resiliência apresentada pela vegetação de restinga e sua baixa capacidade de regeneração natural pós-distúrbios antrópicos nos fazem concluir que a melhor opção é conservar os remanescentes”.
O empreendimento também ameaça a região pós-praia, considerada de extrema sensibilidade ambiental, e Área de Preservação Permanente (APP) em bom estado de conservação, mantendo alto número de espécies endêmicas (que só existem naquela região) e ameaçadas de extinção.
O que não for destruído de vegetação pela Jurong ficará confinado entre as instalações do empreendimento, perdendo parte de sua função ecológica.
Para os técnicos, a área não demonstra aptidão do ponto de vista ambiental para abrigar referido empreendimento, de modo que a intervenção física causará impactos ambientais de proporções imensuráveis e irreparáveis, não passíveis de uma compensação equivalente.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 31/03/2010)