A poucos dias da primeira Conferência Global de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento, estudo afirma que para se adaptar ao aquecimento do planeta e ao aumento da população todo o sistema de produção de alimentos deve ser reformado
“Uma mudança tão extensa quanto a que ocorreu durante a revolução industrial e agrícola na virada do século XIX para o XX”. É somente isso que recomenda um grande estudo sobre a produção de alimentos global que foi divulgado nesta semana sob encomenda do Banco Mundial, Comissão Européia e diversas agências de desenvolvimento internacionais.
“Transforming Agricultural Research for Development” (algo como, Transformando a Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento) sugere uma reforma na estrutura dos negócios agrícolas com o objetivo de possibilitar o máximo de produção de uma maneira sustentável. Isso com o objetivo de alimentar uma população global estimada em nove bilhões de pessoas em 2050.
“Hoje quase um bilhão de pessoas tem dificuldades de acesso aos alimentos. A Meta do Milênio da ONU no que diz respeito ao combate a fome dificilmente será atingida”, afirmou Uma Lele, principal autora do projeto e ex-conselheira do Banco Mundial.
O relatório foi preparado para servir de base de discussão na primeira Conferência Global de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento- Global Conference on Agricultural Research for Development (GCARD)-, que será realizada em Montpellier, na França, entre os dias 28 e 31 de março. O evento terá a participação de cientistas, políticos, agricultores e praticamente todas as grandes empresas do setor.
Muitos são os desafios a serem discutidos na conferência, como ressalta um dos co-autores do estudo, Jules Pretty, professor da Universidade de Essex. “Mudanças climáticas, crise energética, incertezas econômicas, crescimento populacional, degradação ambiental e a necessidade da alteração dos padrões de consumo, pois os países emergentes estão crescendo e seguindo o mesmo padrão predatório das nações ricas.”
Transformações
O estudo aponta a necessidade de dobrar a produção de alimentos até 2050 e usa como exemplo para alcançar isso a “Revolução Verde” dos anos 1960, que aumentou a produção de grãos exponencialmente ano após ano na América do Sul através de fortes investimentos e disseminação de tecnologias.
Porém, as inovações da “Revolução Verde” não alcançaram a África e a Ásia, onde o modelo de agricultura ainda está defasado. A produção de cereais no continente asiático, por exemplo, não conseguiu acompanhar o forte crescimento populacional e milhões passam fome.
“O que nós estamos sugerindo agora é ainda mais complexo que a ‘Revolução Verde’. Temos que achar maneiras de aumentar a produção de maneira sustentável e equilibrada por todo o mundo”, disse Lele.
Segundo a pesquisadora, não existe uma fórmula simples para isso, mas um bom começo seria a criação de uma rede de cooperação global para promover a transferência de tecnologias e conhecimento.
Diminuir a distância entre as melhores práticas e os métodos defasados utilizados pela grande maioria dos agricultores seria realmente um grande passo. “Se ao menos eles pudessem ter acesso a créditos e tecnologias já existentes a produção de alimentos melhoria bastante. Os mais pobres sempre foram excluídos, isso tem que mudar para o bem de todos”, explicou Pretty.
“O modelo atual de negócios que foi construído nos últimos 50 anos não é mais uma opção. Temos que voltar para a prancheta e pensar algo novo”, resumiu Eduardo Trigo, co-autor do estudo e conselheiro do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina.
Financiamento
A estimativa é que custe cerca de US$ 80 bilhões de dólares por ano para implementar as reformas necessárias para garantir o crescimento da produção agrícola. “Nos últimos três anos, os países do G8 se comprometeram a liberar US$ 20 bilhões. Mas esses compromissos não chegaram a se materializar. Acredito que o mínimo que podemos esperar para a conferência é a concretização desse financiamento”, explicou Lele.
Mas os pesquisadores alertam que não adianta apenas dinheiro, todos os governos têm que melhorar suas políticas para a agricultura visando ajudar não apenas os grandes proprietários, mas também os pequenos agricultores, cuja produção é fundamental em diversos países.
“As mudanças climáticas e o preço das commodities, entre outros fatores, determinam que sejam necessários mais recursos e força de vontade para a produção de alimentos. A questão agora é muito mais complicada do que já foi em qualquer momento no passado”, alertou Lele.
(Por Fabiano Ávila, CarbonoBrasil/GCARD, 26/03/2010)