"Com sua presença, dom Dimas também pôde deixar uma mensagem de esperança aos Guarani. ‘Nós vamos conseguir a vitória, não podemos perder a esperança, não podemos desanimar!’, declarou" (Sitio da CNBB, 22/03/10).
"A vida e o modo de viver dos índios Guarani do Mato Grosso do Sul, no Brasil, estão sendo gravemente ameaçados pelo não reconhecimento de seus direitos à terra. A ocupação e usurpação de suas terras pela indústria e ações governamentais têm resultado em uma situação desesperadora, na qual os Guarani sofrem por detenção injusta, exploração, discriminação, desnutrição, intimidação, violência e assassinato, além de uma taxa de suicídio extremamente alta". (Relatório da Survival Internacional - março 2010)
Mais uma violência anunciada
Uma viatura da polícia federal chega ao acampamento de Kurusu Ambá. Sem muitas delongas, declaram a que vieram. "Vocês têm até amanhã para sair daqui!". Manhã de mais um dia de sobressalto no acampamento. Mais um decreto de violência e morte atinge a alma de mais de uma centena de indígenas, não bastassem as quatro lideranças assassinadas, cinco feridos, quatro lideranças presas arbitrariamente, inúmeros tiros disparados sobre o acampamento. Agora, vivendo num capãozinho de mata em seu território tradicional, ao qual retornaram pela quarta vez em três anos, mais uma vez ouvem a sentença de violência.
Há quatro dias a comunidade recebera toda a direção do Cimi, vindos de todas as regiões do país e seu presidente dom Erwin. Naquela ocasião, em pranto, expuseram sua longa via sacra desde que foram expulsos de seu espaço e sua inquebrantável decisão de viver em sua terra. Receberam também a solidariedade de seus irmãos Awa Guajá do Maranhão, que vieram pessoalmente lhes dizer que não estão sozinhos nessa luta. Nesta ocasião os Guarani Kaiowá externaram sua angustiante situação, dizendo estarem à beira da desesperança pois não sabiam mais a quem apelar.
Diante da nova ameaça de despejo, demonstraram a firme decisão de não mais irem para a beira da estrada. Preferiam morrer todos aí em sua terra. Nesta ocasião entregaram copia de documento que há pouco haviam enviado à juíza federal que assinara a ordem de despejo, dra. Lisa Taubemblatt. "Temos anseio de viver felizes, por isso queremos permanecer na retomada, pois ali nos sentimos mais seguros para praticar a nossa cultura, que é sinônimo da nossa sobrevivência".
Flechas da resistência e esperança
Discretos e com o coração partido a cada depoimento que ouviam, a cada acampamento que viam, a cada grito de socorro dos Guarani, os dois jovens Awá Guajá, entregaram os presentes simbólicos aos seus parentes. Ao passarem às mãos das lideranças o pacote de arcos e flechas, lhes entregavam também uma carta, na qual expunham as razões de sua vinda nessa viagem de solidariedade. "Nós, Awá, vimos os Guarani Kaiowá na televisão. Por que os brancos matam vocês, Guarani Kaiowá? Nós ficamos preocupados com vocês, nós também (somos índios) nos consideramos Guarani Kaiowá. Por que é assim? Ficamos realmente preocupados com vocês!
Vocês não têm flechas para (afugentar) os brancos, (se tivessem) os brancos não matariam vocês! E vocês também não têm mata!O branco destruiu a mata de vocês! O avião fica voando por cima das crianças de vocês! E as mulheres de vocês choram por causa de suas crianças!
Se vocês Guarani Kaiowá tivessem flechas, os brancos teriam medo delas. Então, nós Awá, refletimos que deveríamos conhecer a terra de vocês. Por que o branco destruiu a terra dos Guarani Kaiowá?
Vamos levar nossas flechas para eles! Guarani Kaiowá é gente também!(Awa , Terra Indígena Caru, MA, 12 de março de 2010)"
A alegria estampada no rosto das lideranças Guarani das comunidades que receberam as visitas dos Awa era transparente. O presente era uma flecha de esperança no oceano de sofrimento a que estão submetidos. A resistência histórica estava sendo alimentada com esse gesto concreto. A visita e o presente simbolizavam a decisão de lutar pela vida e seus direitos. O sonho e a esperança estavam assim alimentados.
O clamor que sobe aos céus e ao mundo
Ao peregrinar por algumas comunidades Guarani acampadas à beira da estrada ou que voltaram às suas terras tradicionais e ali continuam confinadas, a comissão, a diretoria e a presidência do Cimi, o secretário nacional da CNBB e os representantes Awá, puderam confirmar o absurdo e a crueldade da situação desumana a que estão jogados esses nossos irmãos, heróis seculares da resistência e sábios de profunda fé, que sustentam essa luta diária pela vida, paz e felicidade.
É inconcebível que se continuem negando alguns metros de terra a comunidades rodeadas por um mar de soja, bois e cana. Esse clamor sobe aos céus e ao mundo inteiro, onde certamente alimentará a fé e a solidariedade, que conforme o secretário da CNBB, dom Dimas e o presidente do Cimi, dom Erwin, alimentam a certeza de que "Nós vamos conseguir a vitória, não podemos perder a esperança, não podemos desanimar!"
Campanha Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 23 de março de 2010
(Por Egon Dionísio Heck, Adital, 26/03/2010)
* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul