“ Convergência de crises” foi a constatação do Doutor em Ciências Econômicas e professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração, Ladislau Dowbor, sobre o momento em que se encontra a humanidade. Ele participou do painel “A gestão dos recursos hídricos frente à crise econômico-financeira mundial”, ontem, 24, no último dia do Fórum Internacional de Gestão Ambiental – Água, o Grande Desafio, Figa 2010, no Hotel Plaza São Rafael.
Para ele, o caminho que levará a um conjunto de transformações necessárias, passa pela governança, pela gestão articulada da sociedade. “O eixo básico é a própria economia que tem que ser democratizada. Esta não pode ocorrer a cada dois ou quatro anos, com o voto; temos no mundo quatro bilhões de pessoas que estão fora dos benefícios da globalização, isto é, quase dois terços da população. No Brasil é a mesma coisa, todo o sistema está organizado para atender os interesses de um terço da população; o dinheiro circula muito mais nos sistemas que rendem o máximo possível para as empresas e não se maximiza um interesse básico, que é a qualidade de vida das pessoas num sistema sustentável,” disse.
Ao contrário de muitos de seus colegas, este economista não encara as políticas ambientais como um freio aos investimentos e aos empregos. Dowbor defende a criação do que chama de “empregos inteligentes”, e deu o exemplo de países que estão investindo em transporte público ao contrário de investir em asfaltamento e impermeabilização das cidades e o aumento da frota de veículos, além de redução da jornada de trabalho, por exemplo, para quatro dias. “Eu já fiz uma cálculo e a coisa que mais gera emprego por unidade de investimento é a criminalidade: faz a gente instalar grades por toda parte, construir presídios, etc. Temos que gerar empregos úteis, assegurar a sustentabilidade de longo prazo.”
Dentre as várias perguntas que recebeu dos participantes, estava uma sobre sua opinião quanto à privatização do serviço de fornecimento de água – uma temática que está preocupando grande parte da população, principalmente no interior do Rio Grande do Sul, onde empresas privadas estão pressionando os prefeitos. Sem titubear, o economista-professor respondeu que “onde houve privatização da água, houve problemas imensos”, como o substancial aumento do valor da tarifa. Ele explica que a água ou qualquer outro bem natural não adquire valor a partir de sua escassez, pois este sempre existiu; porém, passa a ter valor de lucro. Numa palavra, a apropriação deste bem natural finito e fundamental é “uma barbaridade”. E completou: “buscar o resgate do controle cidadão sobre os processos justos de uso dos recursos públicos me parece vital”.
Comitês de bacias hidrográficas
Outra preocupação dos participantes do evento foi com a gestão dos comitês de bacias hidrográficas, assunto que o economista e pesquisador da Fundação de Ciência e Tecnologia – CIENTEC, Eugênio Canepa, respondeu. Ele acredita na necessidade de compreender que a legislação é bastante avançada e que precisa ser operacionalizada, transformando os comitês de bacias em órgãos verdadeiramente atuantes na gestão de recursos. O que se busca desde 1994, quando da sanção da lei 10.950/94, que institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, através da implantação plena do sistema, também com o aparelhamento do Departamento de Recursos Hídricos e o início da aplicação da outorga e da cobrança. A partir de então, considera que será possível buscar a despoluição, o aumento da reservação, a recuperação de margens e leitos, a preservação da vida aquática, dentre outros objetivos.
Sendo assim, ele considera fundamental apoiar a criação das agências de bacia, para que esta dê o suporte técnico necessário aos comitês. “A gestão de uma bacia já coloca um problema intermunicipal muito sério que tem que ser trabalhado, negociado e, uma agência de bacia tem que ser um órgão público,” definiu.
Conforme explicou, há muita desinformação, pois não se entende que um comitê de bacia tem o objetivo de longo prazo de atingir a qualidade do curso d'água, ou seja, ter quantidade e qualidade de água disponível às gerações futuras. E, a maneira de proporcionar isso é aplicando os recursos arrecadados pelos contribuintes. “Não se exige que a conservação ou o progresso acabe com as atividades econômicas. O que tem que haver é uma compatibilização, uma negociação política; por isso que se diz que os comitês de bacia são parlamentos das aguas,” argumentou.
(Por Eliege Fante, EcoAgência, 25/03/2010)