Treze famílias de índios maias que vivem na margem da Volta Grande do Xingu, no Pará, temem que a construção da hidrelétrica de Belo Monte reduza o nível da água a ponto de inviabilizar a navegação e a pesca, fonte de alimentação da população.
O G1 está em Altamira e publica nesta semana uma série de reportagens sobre o assunto.
No projeto da usina, antes da Volta Grande a água será desviada por canais para uma área a ser alagada. Os índios avaliam que, com a mudança no curso do rio, a outra parte - a Volta Grande - deve secar.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) - órgão do governo federal que participou das pesquisas para Belo Monte -, Maurício Tolmasquim, afirmou ao G1 que os indígenas não serão diretamente impactados.
"O projeto original previa área inundada de 1,2 mil quilômetros quadrados e a área atual é de 516 quilômetros quadrados. Mudou justamente para evitar impactos sobre as terras indígenas", declarou. Segundo ele, os estudos mostram que a Volta Grande pode ter vazão reduzida, mas não vai secar nem perder a navegabilidade.
Tolmasquim afirmou ainda que os índios foram ouvidos pelo governo durante o processo de audiências públicas com a população. "A grande maioria das comunidades indígenas é favorável [à hidrelétrica]. Tem um grupo de militantes locais contra, mas a massa da população local é favorável. Um grupo atua com a questão ideológica e pretende que [o local] fique intocável, mas não é necessariamente a visão de todos", afirmou o presidente da EPE.
Os índios dizem, porém, que deveriam ter sido feitas audiências específicas para tratar dos interesses das tribos.
Para o líder Leôncio Arara, da tribo maia, se a hidrelétrica for construída, o povo vai "cair em tristeza". "Se vier a barragem, para mim significa uma crise. O Xingu vai ficar mais baixo, e a gente vai ser prejudicado. Estamos acostumados com essa floresta, essa riqueza. O que vai ser de nós?", questiona. "Essa barragem vai acabar com a gente, vai acabar com tudo."
Leôncio Arara disse que a população indígena está preparada para resistir à força. "Os parentes (outras tribos) falam em mobilização de 5 mil a 10 mil índios para acampar na barragem e daí vão dispostos a tudo para proteger nossa vida", afirmou.
O índio Josinei Arara disse que a resistência ocorrerá porque eles precisam navegar no rio para garantir a alimentação da tribo. "A gente vai lutar fortemente contra isso. Estamos dispostos a tudo. Se ficarmos de braço cruzado vai ser pior."
Josélia Arara, 27 anos e mãe de oito filhos, disse que as mulheres também vão ajudar. "Não somente os homens que estão dispostos a qualquer coisa. As mulheres vão ser prejudicadas e ajudarão para o que der e vier. Nós somos mais afetadas. E se as crianças ficarem doentes, como faremos se não tivermos navegabilidade para deixar a tribo?"
José Carlos Arara, teve um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado e guarda em um porta-retrato de sua casa a lembrança daquele dia. "Ele disse que jamais construiria algo que fosse prejudicar alguém e que não iria enfiar caminhão goela abaixo de ninguém, mas infelizmente não é o que parece", afirmou.
Para José Carlos Arara, a tribo está em um "beco sem saída". "Não tem nenhum documento que diga que seremos afetados, mas está claro que todos os meios de vida serão afetados. E não temos ideia de como será a situação com a qual iremos nos deparar. Para nós, significa uma perda em relação ao meio de vida da população indígena."
Ribeirinhos
Em uma vila de ribeirinhos na margem do Xingu, a Ilha da Fazenda, território pertencente ao município de Senador José Porfírio, os moradores também dizem temer a seca na Volta Grande. "Desde o início, eu não acho que vai ser bom porque vai ser uma morte. Um lado vai encher e o outro vai secar. Eu tenho a pesca como sobrevivência e não sei como vai ficar", diz o pescador Miguel Carreiro de Souza, de 52 anos, que tem como função na vila transportar as crianças para a escola em outra vila maior.
Fátima Ribeiro, de 59 anos, tem filhos e netos na ilha. "Para a gente vai ser muito ruim. A gente vive do que planta e colhe e não sabe direito como vai ficar tudo. E as crianças, como vai ser?", pergunta. Ela disse ainda temer que a "fúria" dos índios contra a hidrelétrica acabe prejudicando os ribeirinhos. "A gente se preocupa com violência, essas coisas. A gente só quer ficar aqui em paz."
(Por Mariana Oliveira, G1, 25/03/2010)