Dois trabalhadores rurais, pai e filho radicados há 23 anos numa pequena propriedade rural na Praia dos Coqueiros, na região da comunidade de Costa Dourada, litoral sul do município de Mucuri (BA), foram interceptados sobre uma motocicleta perto de casa no final da manhã desta quarta-feira (17/3), por quatro homens a serviço da Fibria Celulose (antiga Aracruz Celulose). Um deles foi morto com um tiro à queima roupa na cabeça.
Leia abaixo a nota divulgada pelo Fórum Sócio-Ambiental do Extremo Sul da Bahia e Rede Alerta contra o Deserto Verde.
Através desta nota, queremos demonstrar nossa imensa revolta com a morte de Henrique de Souza Pereira, 24 anos, ocorrida no último dia 17 de março, quando uma equipe da GARRA, empresa privada de ‘segurança’ da Fibria (ex-Aracruz Celulose e sócia da Stora Enso na Veracel Celulose), atirou nele, alegando que estava furtando madeira e ‘agindo com agressividade’ quando foi solicitado a deixar uma área de eucalipto, segundo uma nota da própria empresa Fibria. Mas segundo declaração feita durante entrevista a um jornal local pelo pai de Henrique, Osvaldo Pereira Bezerra, que estava junto com o filho no momento da ação, eles estavam indo para casa numa motocicleta. Durante a ação, os milicianos quebraram o braço do pai de Henrique.
Depois de terem atirado em Henrique, os milicianos teriam deixado o local e voltado apenas depois de 40 minutos na companhia de uma ambulância. Henrique não resistiu aos ferimentos.
Queremos expressar aqui nossa solidariedade com a família de Henrique e com a sua comunidade.
Vale lembrar que Henrique de Souza Pereira era um dos inúmeros moradores vizinhos das extensas áreas de eucalipto que buscam sobreviver, encurralados em pequenas propriedades. O fato lembra também um outro assassinato ocorrido em 2007 quando Antônio Joaquim dos Santos, geraizeiro, foi morto pela milícia privada da V&M Florestal quando estava tirando lenha de uma área de eucalipto da V&M Florestal para seu forno. Curiosamente, tanto a V&M Florestal quanto a Fibria tinham, quando ocorreram os fatos, o selo verde internacional FSC que diz ao consumidor que a produção da empresa vem de um “manejo florestal socialmente justo”.
O que chama a nossa atenção e causa a nossa indignação é que mais uma vez um morador local tem que morrer enquanto as autoridades, com dinheiro público do BNDES, continuam incentivando a expansão da monocultura de eucalipto no país através do repasse descarado da verba pública a mega-empresas transnacionais como a Fibria e Stora Enso. Ao mesmo tempo, as mesmas autoridades emperram a reforma agrária e a demarcação de terras quilombolas, indígenas, camponesas e geraizeiras. Agindo assim, as autoridades estão sendo coniventes com a ‘fome’ insaciável dessas empresas por mais terras e lucros. Só a Fibria ocupa uma área no país superior a 1 milhão de hectares!
Na sua nota à imprensa sobre a morte de Henrique, em nenhum momento a Fibria analisa por que famílias, para sobreviver, acabam retirando lenha e madeira das suas terras. Ao contrário, para nosso espanto, a empresa afirma: “Ao mesmo tempo a Fibria gostaria de externar as autoridades estaduais sua preocupação com a escalada de ocorrências de furto de madeira no sul da Bahia, que gera risco de conflitos com perda de vidas como o ocorrido, e que afeta não apenas suas operações, como as de outras empresas florestais instaladas na região. É urgente a adoção de medidas que coíbam essas práticas ilegais, de forma a estabelecer condições de segurança para a população e assegurar um ambiente que possibilite as operações das empresas e o desenvolvimento social e econômico da região”.
Diante do ocorrido, pergunta-se: que desenvolvimento social e econômico é esse, que ceifa a vida de moradores locais?? Que ignora direitos das comunidades e destrói a esperança do povo? É inaceitável que uma empresa com essas práticas consiga ter supostos selos de ‘sustentabilidade’ como o FSC e Cerflor, além dos inúmeros outros prêmios que apresenta.
Lembramos que neste momento no Extremo Sul da Bahia e no norte do Espírito Santo, dezenas de moradores locais, trabalhadores rurais sem terra e principalmente quilombolas, estão sendo criminalizados e processados, supostamente por estarem ‘furtando’ madeira da empresa em terras que sempre foram de uso comum dessas comunidades e das quais sempre tiraram seu sustento. No dia 11 de novembro de 2009, o governo estadual do Espírito Santo realizou na comunidade quilombola de São Domingos uma mega-operação policial, prendendo 39 quilombolas com 130 policiais armados com fuzis e metralhadores, com cães e cavalos.
Mas as autoridades são incapazes de garantir a reforma agrária e a demarcação efetiva e sem demoras dos territórios quilombolas, geraizeiros, indígenas e camponeses.
Somente devolvendo as terras para seus legítimos donos e para quem precisa trabalhar nela, é possível acabar com conflitos como este.
Por último, exigimos uma apuração rigorosa e punição dos culpados dos fatos e que não só a GARRA, mas também a Fibria seja responsabilizada pelo lamentável morte de Henrique de Souza Pereira.
(MST, 25/03/2010)