O Projeto Global Sustainable Bioenergy (GSB) – que reúne cientistas de vários países em um esforço internacional para viabilizar a futura produção de energia sustentável em escala mundial – iniciou nesta terça-feira (23/3), em São Paulo, a terceira das cinco convenções que compõem sua primeira etapa.
A Latin American Convention of The Global Sustainable Bioenergy Project prosseguirá até a próxima quinta-feira (25/3), na sede da FAPESP, com o objetivo de fornecer uma plataforma para oportunidades, desafios e preocupações regionais e transnacionais relacionados à bioenergia. As duas convenções anteriores foram realizadas na Holanda e na África do Sul. As duas últimas estão marcadas para junho, na Malásia, e julho, nos Estados Unidos.
Durante o evento, o presidente do comitê diretor do Projeto GSB, Lee Lynd, professor de biologia do Dartmouth College (Estados Unidos), destacou os rápidos avanços conseguidos pela iniciativa, oficialmente iniciada em junho de 2009.
“Há um ano, todo esse processo era apenas uma ideia. Mas o projeto cresceu e a cada semana temos um círculo maior de participantes. Já nas duas primeiras convenções tivemos indicações de uma possível resposta favorável à questão que colocamos como ponto de partida para o projeto: se é fisicamente possível chegar ao uso de bioenergia em escala global, suprindo ao mesmo tempo as necessidades alimentares e ambientais do planeta”, disse.
Lynd, pioneiro no estudo da utilização da biomassa para a produção de energia, explicou que as convenções têm o objetivo de identificar os obstáculos para a produção de bioenergia em larga escala. No segundo estágio, além de responder se há possibilidade física de uma generalização sustentável da bioenergia, os organizadores vão procurar também responder se esse objetivo é de fato desejável.
“A certeza que temos é que as tendências atuais de consumo de energia não são sustentáveis. A manutenção desses padrões é mais uma fantasia do que uma perspectiva real. Por isso, o primeiro passo para o projeto GSB é tentar mostrar o que é possível, sempre com foco no que é desejável. Sem isso não conseguiremos o apoio dos responsáveis pelas políticas públicas”, disse.
Segundo Lynd, os estudos realizados até o momento deixam claro que a cana-de-açúcar – cuja produção para bioenergia é dominada pelo Brasil – é o melhor dos insumos de primeira geração disponíveis para uso em biocombustíveis.
“A cana-de-açúcar é também claramente competitiva em termos econômicos. O custo do insumo não seria uma limitação. Já o custo da terra configura uma questão importante. Será necessário cultivar variedades com uma composição otimizada para a fotossíntese”, afirmou.
As discussões, segundo Lynd, começam a indicar que há realmente viabilidade física para a produção global de bioenergia sustentável. Com o uso da biomassa, existe até mesmo a possibilidade de se chegar a um ciclo neutro para o carbono. Mas os especialistas ainda não conseguiram um consenso quando se trata de discutir se a adoção da bioenergia como matriz principal é desejável.
“O problema é que existem ainda muitas avaliações negativas disseminadas pelo mundo quanto ao desejo de um futuro com matriz bioenergética. Mesmo aqueles que têm acesso às mesmas informações acabam chegando a conclusões diferentes em relação a isso. Essas divergências refletem as expectativas diferentes em relação à capacidade de inovação e de mudança de hábitos”, disse.
Construir uma visão de futuro
Segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e membro do comitê de organização do GSB, o projeto está organizando uma discussão mundial sobre aspectos importantes relativos ao uso de biocombustíveis e bioenergia. Isso está sendo feito na forma de um desafio: será possível substituir 25% da gasolina do mundo por biocombustíveis, preservando o meio ambiente, sem trazer prejuízos à sociedade?
“Trata-se de uma pergunta que sugere uma solução, mas estabelece também obstáculos muito importantes. Muitas vezes, no Brasil, tendemos a supor que a resposta é fácil, já que no país um terço da gasolina foi substituída por etanol. Mas fazer isso em escala mundial é um desafio muito mais complexo – e também um desafio fascinante”, afirmou.
A discussão está mobilizando cientistas de vários países, segundo Brito Cruz. “É preciso que haja essa discussão mundial, para que cada um entenda os pontos de vista dos outros e para que, assim, possamos avançar. É um debate de importância crucial para o Brasil e para o mundo. Essa convenção latino-americana foi organizada para que possamos estabelecer uma linguagem comum sobre a bioenergia, que vai nos permitir uma discussão no cenário mundial.”
Nathanael Greene, diretor de Políticas Energéticas do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, disse que o Projeto GSB se caracteriza por um olhar diferenciado: no lugar de focar nas soluções mais prováveis, o grupo tenta imaginar as respostas mais desejáveis. “Em vez de conformar nossas perspectivas à realidade atual, temos que pensar em construir uma visão de futuro”, afirmou.
De acordo com Greene, sem uma visão de futuro sólida e baseada em ciência, não será possível estabelecer metas ao mesmo tempo viáveis e ambiciosas para o futuro energético do planeta.
“Muitas vezes, em nossas análises, estamos extrapolando para o futuro tendências e práticas atuais, o que nos direciona para um futuro extremamente sombrio. Na nossa visão, temos que mudar essa mentalidade e pensar qual é o futuro desejável. A partir daí, vamos fazer uma interpolação para saber como chegaremos a esse objetivo. Temos que levar em conta que existem muitas alavancas tecnológicas e políticas que podemos usar para atingir essa meta de sustentabilidade – e é isso que o GSB está mostrando”, disse.
Glaucia Mendes de Souza, uma das coordenadoras do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), afirmou que a sustentabilidade, por ser um problema extremamente complexo, requer o trabalho conjunto de cientistas de diferentes áreas de pesquisa. Esse, segundo ela, é um dos objetivos da Convenção.
“O Brasil é um exemplo para a indústria de produção de biocombustíveis. Mas temos percebido que há um problema de percepção pública em relação ao que estamos fazendo no país. É importante que se saiba o que estamos pesquisando e como nossa indústria está operando. Essa experiência deve ser mostrada, ao mesmo tempo em que também devemos aprender com as experiências dos outros países. Com essa união poderemos chegar a uma matriz energética mais sustentável”, afirmou.
De acordo com Ricardo Silva, secretário-adjunto de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, o governo paulista tem trabalhado no desenvolvimento de políticas públicas para a expansão do uso de energias sustentáveis.
“Segurança energética e fontes de energia renováveis correspondem a um binômio que tem sido central no estabelecimento de políticas públicas. Temos trabalhado na criação de alternativas para o futuro do estado, dando prioridade à inovação e à pesquisa sobre energias sustentáveis. Projetos como o GSB certamente vão nos ajudar nessa missão”, disse.
Para o deputado federal Arnaldo Jardim, o parlamento brasileiro também tem dedicado muita atenção à questão dos biocombustíveis. Segundo ele, o Congresso aprovou, dias antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), em dezembro, um fundo de combate às mudanças climáticas, que deverá estimular a produção de bioenergia. “Vemos com muito entusiasmo também a atuação do governo paulista e da FAPESP nessa área”, afirmou.
Jardim contou que o Congresso também está trabalhando em um projeto de macrozoneamento que regulamentará as zonas de plantio de cana-de-açúcar, impedindo que a produção avance sobre os biomas da Amazônia e do Pantanal.
André Corrêa do Lago, ministro do Departamento de Energia do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que, no setor energético, o Brasil está na ponta tanto em termos de pesquisa científica, como em relação à sustentabilidade.
Segundo ele, a posição da política externa do país em relação aos biocombustíveis está relacionada à Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a partir da qual o conceito de sustentabilidade foi mundialmente aceito.
“O problema é que esse conceito sofreu certos desequilíbrios em anos recentes. A Convenção do Projeto GSB é muito importante para restabelecer esse equilíbrio. O Brasil tem defendido, no âmbito internacional, esse legado de 1992, que trata a questão da sustentabilidade em seus aspectos ambientais e sociais, mas também econômicos. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, é fundamental que a dimensão econômica não seja esquecida”, afirmou.
(Por Fábio de Castro, Agência FAPESP, 24/3/2010)