Ogima: “Quando o aquecimento global chegar no limite, teremos que mudar o padrão de consumo. Em Campinas tem uma grande fábrica da Ambev, numa região metropolitana de escassez hídrica, mas que engarrafa água através de cerveja para a 'felicidade' geral da nação"
Os trabalhos na manhã de hoje, 23, do Fórum Internacional de Gestão Ambiental – Água, o Grande Desafio, Figa 2010, iniciaram com o diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica do Ministério de Ciência e Tecnologia, Pedro Leite da Silva Dias, no painel “A gestão dos recursos hídricos frente às mudanças climáticas”.
Por meio da abordagem do Programa Rios Voadores ele esclareceu a complexidade da busca pela origem da água, que através de modelos baseados em hipóteses e do trabalho observacional, objetiva revelar à população dos grandes centros urbanos uma verdadeira nascente para os recursos hídricos brasileiros e conscientizar e valorizar a preservação da Amazônia como solução para as atividades econômicas do país.
Ele que foi Membro do Grupo I do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC (1993-1996 e 2004-2007), respondeu uma série de dúvidas dos participantes, como em relação aos cenários catastróficos. “A mídia chama mais atenção aos cenários Hadlley Center, que é catastrófico, de desaparecimento da
Amazônia. Mas este é um extremo dentro do IPCC, pois trabalham com vários cenários e vários modelos,” explicou, de modo a tornar possível a busca por um planejamento. A complexidade do ecossistema amazônico é, segundo o cientista, o que torna difícil desenvolver cenários que sejam coerentes com a realidade. O que dificulta o entendimento dos processos. “Há uma tendência ao secamento, isto todos os modelos do IPCC concordam, mas qual o impacto no ecossistema, ai entra muito estudo e investimento em pesquisa, na parte observacional para entender processo,” explicou.
Completaram as apresentações neste painel o economista Philip Harttmann da Alemanha e o economista do Ministério de Ciência e Tecnologia, Sanderson Leitão.
Carência de atitude individual e dos poderes
O sociólogo e demógrafo da Fundação João Machado/MG, Ricardo Ogima, insistiu na questão da escolha de qual padrão de consumo se deseja e qual o mais adequado para planejar o uso dos recursos hídricos. Ele participou do painel “Uso da água virtual nas trocas internacionais presente na produção agrícola, industrial e de energia”, abordando o tema água virtual e pegada hídrica, juntamente com o Prof. André Luís Lopes da Silveira, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
Ogima acredita que, com a mudança no padrão da distribuição de população por idade, maior poder de consumo, dentre outros, haverá mudanças importantes de consumo dos recursos hídricos. “Ninguém questiona a necessidade de universalizar o acesso ao abastecimento de água encanada, isto é saúde pública. Porém, se trata de um elemento que coloca uma pressão maior nos recursos hídricos,” explicou sobre quando a melhoria da situação econômica aumenta em alguma medida o padrão de consumo.
A maior demanda por água deriva da agricultura, segundo Lopes da Silveira, que explicou o conceito de água virtual e o de pegada d'água. O primeiro abriu o caminho para o segundo, que é um indicador multidimensional que considera o volume de água consumido, quando, onde, enfim, em toda a cadeia de suprimento do produto. “A vantagem é que pode ser determinada para um indivíduo, um negócio, um país; propiciando bases de avaliação dos impactos de bens e serviços sobre os sistemas de água doce para a reformulação de estratégias para reduzir estes impactos,” explicou.
Ogima propõe que se pense nas especificidades locais e regionais e que os estudos hidrológicos considerem estas variações para se poder chegar a indicadores mais refinados sobre o volume de água virtual de cada região. “A gente tem que pensar no nível do indivíduo para mudar o padrão de consumo, mas políticas públicas devem orientar e incentivar a população a tomar suas próprias decisões. Estas mudanças refletirão nas mudanças climáticas e nos impactos globais,” disse.
O demógrafo está convencido de que a produção de alimentos cresce de acordo com a tecnologia, e de que não há falta de alimento, mas sim, falta de interesses políticos, econômicos e sociais, para acabar com a fome no mundo. “Quando o aquecimento global chegar no limite, teremos que mudar o padrão de consumo. Em Campinas tem uma grande fábrica da Ambev, numa região metropolitana de escassez hídrica, mas que engarrafa água através de cerveja para a 'felicidade' geral da nação,” concluiu.
Confira a quantidade virtual de água existente em alguns produtos (EcoDebate):
trigo – 1.300 litros
milho – 900
arroz – 3.400
carne de frango – 3.900
carne de porco – 4.800
carne de ovelha – 6.100
carne de gado – 15.500
algodão – 11 mil
1 litro de leite – 1.000
1 xícara de chá – 30
1 xícara de café – 140
1 folha de papel – 10
1 fatia de pão – 40
1 maçã – 70
1 camiseta – 2.700
(Por Eliege Fante, EcoAgência, 24/03/2010)