Fiscalizações em empresas produtoras apontam uso de substâncias proibidas e mudança de fórmulas sem autorização
Fiscalizações feitas pelo governo federal nas principais produtoras de agrotóxicos do Brasil encontraram irregularidades que vão do uso de substâncias proibidas a mudanças de fórmulas sem autorização. O país, um dos líderes agrícolas do planeta, é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
São produtos que, se mal formulados e usados incorretamente, podem causar danos à saúde e às culturas em que são utilizados, diz Agenor Álvares, diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Segundo a agência, foram detectados problemas nas seis companhias fiscalizadas, incluindo as três maiores do mundo -Syngenta, Bayer e Basf. Juntas, cinco das seis respondem por 55% do mercado mundial, segundo estudo de Victor Pelaez, da Universidade Federal do Paraná. As empresas dizem trabalhar na correção de falhas (leia à pág. B3).
As pessoas mais vulneráveis aos produtos presentes em agrotóxicos são os trabalhadores rurais, que lidam diretamente com eles. Dados da Fiocruz mostram que, em 2007 (dado mais recente), 3.306 pessoas sofreram intoxicação pelos produtos por acidente ou por uso durante o trabalho. Dessas, 23 morreram.
O problema pode chegar ao consumidor final caso ele coma alimentos altamente afetados e em grande quantidade.
Além de alterações nas fórmulas, outros achados das operações feitas com a PF foram produtos com nível tóxico acima do limite, problemas no controle de qualidade e substâncias fora da data de validade.
Mais de 9 milhões de litros de agrotóxicos foram interditados -o equivalente a quatro piscinas olímpicas. A suspensão é válida até que a empresa comprove a segurança do produto ou faça as adequações exigidas.
As fiscalizações foram transformadas em procedimentos administrativos, nos quais as empresas estão se manifestando sobre as irregularidades apontadas. O primeiro teve seu desfecho neste mês e resultou em multa de R$ 2,4 milhões à Milenia Agrociências, a sétima maior do mundo.
Entre outros problemas, a empresa vendia um produto, o Podos, classificado como moderadamente tóxico, mas análise laboratorial realizada pela PF e pelo Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, constatou que ele era extremamente tóxico. Usado na cultura de folhas de tabaco, teve o registro cancelado.
Segundo Eloísa Caldas, professora de toxicologia da Universidade de Brasília, a classificação toxicológica é importante para que o trabalhador que manipula o produto saiba o grau de cuidado que deve ter.
Ao todo, de acordo com a Anvisa, quatro empresas alteraram as fórmulas de seus produtos sem análise e autorização. Nesse caso, diz Caldas, se a nova formulação influir no potencial de absorção do agrotóxico pela planta, é possível que o alimento acabe chegando ao consumidor com mais resíduos químicos que o recomendado.
Produto proibido
A fiscalização, segundo a Anvisa, deparou-se até com um agrotóxico proibido. Na Syngenta, a agência diz ter descoberto a venda da cihexatina.
Muito usada anteriormente na cultura de cítricos, ela foi banida do Brasil em junho de 2009 após estudos com animais apontarem risco de malformações fetais.
EUA e China, entre outros países, já haviam tomado a mesma decisão. Foi estabelecido um prazo de transição segundo o qual até 2011 o produto poderia ser usado, mas só no Estado de São Paulo. Mais de três meses depois da proibição, no entanto, a Anvisa constatou que o produto estava sendo vendido para Minas Gerais.
Na mesma empresa, a fiscalização colocou em dúvida análises técnicas de alguns dos produtos. Isso porque os documentos tinham datas anteriores à fabricação dos lotes que deveriam analisar.
As blitze também constataram suspeitas relacionadas às datas de validade dos produtos. Na Nufarm, a oitava maior do setor, a Anvisa diz ter encontrado agrotóxicos vencidos havia quatro anos sendo utilizados para novas formulações.
Segundo Caldas, o uso de um agrotóxico vencido pode afetar principalmente o produtor rural, reduzindo a eficácia.
Embora a Anvisa tenha surgido em 1999, as fiscalizações nas fábricas de agrotóxicos só começaram a ser feitas no ano passado. Segundo Agenor Álvares, diretor desde 2007, isso se deve à necessidade de contratar e capacitar servidores.
(Por Angela Pinho, Folha de S. paulo, 22/03/2010)