O centro do Rio de Janeiro parou ontem para a manifestação contra a emenda Ibsen Pinheiro, que redistribui os royalties do petróleo entre os estados da Federação. Com a emenda, aprovada na Câmara dos Deputados, no dia 10 de março, o estado do Rio perderá R$ 7 bilhões anualmente.
A concentração na Candelária começou às 15h, mas desde o início da tarde caravanas de ônibus de cidades do interior do estado chegavam trazendo pessoas para participar do protesto. Todas as prefeituras se engajaram no ato em repúdio à emenda que prejudica diretamente Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.
O governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, também enviou caravanas de funcionários públicos para o ato cívico. A concentração de ônibus vindos principalmente do interior, como das cidades de Campos dos Goytacazes, Macaé e Quissamã, no Norte do estado, congestionou a ponte Rio-Niterói. Dezenas de ônibus vindos do Norte Fluminense ficaram retidos na Rodovia Niterói-Manilha, principal acesso à ponte. O governador Sérgio Cabral, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, os senadores Marcelo Crivella e Francisco Dornelles, além de artistas, participam da manifestação.
Ontem, o governador de São Paulo, José Serra, disse que, se aprovado, o projeto de redistribuição dos royalties do petróleo vai provocar a quebra dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. "O projeto significaria fechar as portas de muitas prefeituras do Rio e do Espírito Santo e quebrar os dois governos estaduais", afirmou. "Do jeito que está, arruína o Rio de Janeiro e o Espírito Santo e, portanto, é inaceitável."
Serra disse entender a preocupação dos legisladores com o uso dos recursos do pré-sal em favor do País, mas discorda da forma como a redistribuição foi feita. "Acho legítimo pegar recursos do petróleo para beneficiar o Brasil como um todo, mas isso não pode se fazer liquidando dois estados." De acordo com o governador, São Paulo seria menos afetado pela mudança do que Rio e Espírito Santo.
O projeto, com a emenda Ibsen, passará agora pelo Senado e pela avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode vetá-lo. "Não se sabia bem o que estava sendo votado na Câmara. Pelo menos, não era do meu conhecimento", disse Serra.
O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, afirmou que a emenda Ibsen fere um direito adquirido do Rio de Janeiro. "É uma emenda injusta. Ela não pode ter o efeito retroativo. Isso fere a Constituição. É claro que queremos uma distribuição de riqueza mais harmônica possível, mas também não queremos que o Rio de Janeiro saia prejudicado", disse Lupi. O ministro acredita que o Senado encontrará uma solução que seja boa para todos.
Governadores apoiam ideia de União bancar perdas dos estados
A proposta de jogar para a União a responsabilidade de ressarcir o Rio de Janeiro e o Espírito Santo por conta da nova divisão de royalties ganhou o apoio dos governadores de Pernambuco, Eduardo Campos, e do Ceará, Cid Gomes, ambos do PSB, partido da base aliada do governo. Representantes de estados que serão beneficiados com a manutenção da regra aprovada na Câmara na semana passada, os dois governadores se reuniram com lideranças do Senado para defender que a divisão igualitária dos recursos dos royalties do petróleo, essência da emenda aprovada pelos deputados, deve ser mantida.
"O princípio da equidade e da justiça é inegociável", disse o governador pernambucano. "O que precisamos negociar agora é uma regra de transição que possa atender ao Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo", acrescentou Campos, após encontro com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A ideia de deixar para a União a conta do ressarcimento partiu do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), um dos autores da polêmica emenda aprovada na Câmara que acabou com os privilégios dos chamados estados produtores e garantiu a divisão dos recursos provenientes da compensação paga pelas empresas que exploram petróleo (royalty) de forma igualitária entre todos os estados e municípios. A medida será apresentada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) como emenda ao projeto que estabelece o modelo de partilha de produção no pré-sal, assim que a proposta começar a ser analisada no Senado.
Para os governadores, a medida pode ser a regra de transição que permitirá ao Rio não sofrer uma forte queda nas receitas a partir da entrada em vigor da nova forma de divisão dos royalties. "Esse é uma proposta, tenho certeza que não é a única", disse o governador cearense, Cid Gomes. A discussão da proposta será tumultuada. Na terça-feira, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que o Palácio do Planalto não aceitaria retirar de sua parcela dos royalties os recursos para compensar os estados produtores.
Economista sugere partilha de receitas extras
O Rio de Janeiro, como os demais estados produtores de petróleo, tem o direito constitucional de ser reparado pela atividade petrolífera. Em contrapartida, receitas extras muito elevadas poderiam ser partilhadas com estados e municípios não produtores. A afirmação foi feita ontem pela pesquisadora Adriana Perez, do Centro de Economia e Petróleo do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Para ela, a emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que tirou do Rio de Janeiro a liderança na distribuição dos royalties do petróleo, é resultado de um "radicalismo" na Câmara Federal, que "fez prevalecer essa distorção" na distribuição dos recursos do petróleo. O Ibre defende que o direito constitucional do Rio de
Janeiro deve ser respeitado. "Mas, o mais importante, talvez, e que sirva para apaziguar um pouco os ânimos, é que sejam elaborados critérios de partilha de recursos adicionais, derivados de uma extrapolação de ganhos".
Adriana explicou que dependendo do preço do petróleo no mercado internacional pode haver uma quantidade de recursos vindos dos estados produtores que seria considerada injustificada. Nesse caso, julgou que seria interessante montar regras de distribuição de recursos, estabelecendo que para aumentos muito elevados do preço do petróleo, os estados produtores passariam a partilhar esse excedente. A receita extra poderia ser dividida com estados e municípios que atendessem a critérios socioeconômicos. "Você premiaria aqueles estados e municípios que mais investissem no desenvolvimento socioeconômico de sua jurisdição. Então, em vez de competir por recursos que iriam cair no colo dos governantes locais sem nenhuma contrapartida, você estabeleceria uma concorrência saudável que levaria ao desenvolvimento socioeconômico das diferentes regiões".
(JC-RS, 18/03/2010)